Deixa pra depois

Nem mesmo com essa chuva que cai sem parar. Nessa quase madrugada que me convida a ficar na cama. Com esse tempo chuvoso e céu cinzento. Nessa sexta feria que antecede mais um final de semana. Já acordado desde muito cedo não consigo permanecer no leito e dele salto.

Assim tem sido a minha rotina. Um tanto igual, sempre.

No entanto não tenho como fugir dela. Ela me consome.

Aos sábados dou uma escapadinha em direção a minha roça. Amanhã, se persistir esse tempo chuvoso, não sei se vai ser possível. Tenho medo de não subir aquele morro empinado. E ficar atolado no barro. Embora meu desejo seja lá chegar. E me deliciar com as jabuticabas madurinhas. Talvez seja a derradeira chance de tê-las só minhas. E não ter de reparti-las com marimbondos e maritacas palradeiras.

E por falar em maritacas, aquelas aves emplumadas em verde mata. Que se alvoroçam todas quando são pilhadas chocando nos telhados. Que pestinhas elas são. Um bando delas me fez ficar sem câmera. Como de outras vezes elazinhas, com seus bicos cortantes. Roeram os fios de luz prejudicando a fiação. Agora cedo tive de recorrer a um amigo. O prestimoso Pila, nessa hora bem temprana, deve estar subindo na laje para refazer o estrago feito pelas maritacas.

Deu vontade de não deixar pra depois o que tinha de fazer agorinha. Uma boa estilingada naqueles peitos verdinhos. E ver as maritacas tombarem desfalecidas dos galhos onde antes estavam.

E como tenho desejo de subir na jabuticabeira. Mesmo na minha idade e me deliciar com aquelas frutinhas doces. No entanto seria mais prudente deixar pra depois.

A rotina se torna enfadonha. A vida seria mais apetitosa com as mudanças. Mas como deixar pra depois o que tenho feito quase uma vida inteira? Se assim me acostumei. E, mesmo não sabendo o tempo que me resta vou continuar assim mesmo. Não deixando para o dia seguinte o que faço hoje.

Na minha rocinha penso ser um homem do campo.  Desvisto-me das roupas costumeiras.  Troco meu par de tênis por uma botina gomeira. Protejo minha calva luzidia com um bom chapéu. E deixo pra depois tudo aquilo que tinha de fazer hoje. Já que o hoje tenho certeza de que já aconteceu. Mas o amanhã tem a incertitude do desconhecido.

Bem sei, os anos me ensinaram, que não se deve deixar para depois tudo aquilo que se deveria fazer agora.  Mas quem diz que aprendi? Como bom aluno, nos verdes anos da minha vida, se nem a tabuada sabia de cor e saltava os números impares. Como agorinha mesmo, ancião provecto e convertido. Não esperem de mim um monte de coisas que eu mesmo nem sei.

Dêem-me um tempo para aprender. Sei ainda que não se deve deixar para o dia seguinte o trabalho que deveria ser feito hoje.  Mas se estiver cansado? Exausto e deveras fatigado? Não seria prudente descansar? E adiar, sine die, tudo aquilo que nos desgasta a alma.

Vou deixando pra depois. Adiando tudo aquilo que não gosto de fazer.

Nessa idade em que me encontro.  Faltam apenas alguns dias para completar setenta e cinco.

Dou-me o direito, pra mim inalienável, de fazer apenas o que me apraz.

Acordo ao cantar do galo.  Deixo minha franguinha, já empenada, dormindo ao meu lado.   Aqui chego antes das seis da manhã. Escrevo sempre madrugão.

Não deixo pra amanhã o que tenho de fazer agora. Faço e não desfaço de ninguém. Sou assim e não assado. Se não faço hoje amanhã não sei o que farei.

O que será de mim? Não deixo pra amanhã saber a resposta. Se me perguntarem direi- “não sei”.

Deixar pra depois? Pra quê? Se vida deve ser vivida agora por que esperar outro dia?

Não sei viver na incerteza do amanhã.

 

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