Chovia a embarrear a estrada naquela madrugada fria.
Uma goteira, que mais parecia cachoeira desembestada, desceu do telhado tosco não deixando o pobre Zé dormir um segundo.
“No dia seguinte eu ajeito as telhas.” Dizia ele mais ensopado que galo molhado. Que não cantava, pois seu bico engoliu água a noite inteira. Deixando as galinhas empoleiradas sem botar um ovinho sequer. Elas faziam greve desde a semana santa. Pois naquela semana, dizem os crentes, que galinha não bota. Não sabem dizer o porquê dos porqueres de tanta porcaria.
Uma infinidade de coisas o esperavam do lado de fora da sua casinhola. O relógio de cabeceira dizia: “acorda Zé. As vacas já estão no curral. Hoje é quarta feira. Dia do caminhão leiteiro vir buscar leite. Vai atrás de sua mula. O caminhão, com essa chuvarada, não desce o morro. Tem de levar o leite lá em riba”.
Zé já sabia, na contramão das horas, tudo que tinha de fazer. Deixou o relógio falando sozinho. Tomou um cafezinho requentado com um naco de queijo de minas. Vestiu sua manjada botina gomeira furada na sola. Com mais anos de uso que já deveria ter sido deixada em desuso. E foi-se esconjurando a chuva que não dava tréguas. A ver como estavam suas amadas vacas. Em especial uma de nome Cinderela. Com a qual diziam ter um causo de amor. Ela era a mãe de uma linda bezerrota a cara e focinho do pai Zé. E o rabo espichado da mãe Cinderela.
Depois da ordenha finda ainda restava limpar o curral. Que lameira se espalhava por todo canto. O leite posto no tanque de expansão tinha de ser enlatado. Antes era assim.
Trator, Zé não tiinha. Uma carroça molambenta era adonde os latões de leite deviam ser embarcados. Mas cadê a mula preta? Ela tinha mais de sete palmos de altura.
Safadinha ela pensava se safar daquela incumbência. Sempre que chovia seu dono Zé carecia de seus préstimos. “Seria hoje.” Matutou elazinha.
Sirigaita, era esse o nome da mula esperta. Escondeu-se, já premeditando o serviço pesado, num matinho longe. Pensava ali estar a salvo de puxar carroça. Ledo engano.
Zé a encontrou num pestanejar de olhos. Nem relinchar contrafeita ela se deu ao direito.
Leite posto no caminhão leiteiro. Na descida do morrão escorregadio a carroça deu com a mula n´água. Quem diz que Zé deu conta de segurar a empreitada? A carroça desceu sem controle. E acabou se estropiando todinha lá embaixo. Salvou-se a mula Sirigaita. Mas a carroça não dava mais meia sola.
Ainda restava ao pobre Zé uma peleja das mais grandes. Era tempo de roçar a pastaria. As cercas careciam de reforma. Mas a chuva não tinha parança. E deixavam tudo ao derredor uma lambança,
Já passava do meio dia quando Zé se permitiu um descanso. Que fome ele tinha!
Naquele dia faltou luz. Tudo na geladeira se perdeu. Zé Peleja só não perdeu a paciência pois a tinha a dar aos outros. Comeu as sobras da janta de ontem. Só não comeu sua botina pois temia que ela lhe dessa indigestão de tão veinha que era.
Na dobra do dia partiu para o segundo tempo. Já era tarde, quase noite.
A vacada faminta já o esperava beirando os cochos. E como trazer silagem lá do alto sem a ajuda prestimosa de sua mula agora manca? Não tinha outra opção senão levar na cacunda mesmo. E como doíam suas costas ao fim do dia. Seu corpo inteiro esmorecia e pedia cama. “Mas não é hora de dormir’. Dizia mais uma vez o relógio de cabeceira alcagueta. E indicava sete da noite com os ponteiros.
Zé, exausto e exaurido, (permitam-me usar palavras símiles). Depois de um banho de canequinha, pois água no chuveiro não tinha, ligou a televisão.
Não se falava noutra coisa que não fossem as eleições americanas. Ainda não se podia saber o resultado. Seria o topetudo Trump ou Kamala na mão, prontinha a embarcar num avião?
De nada adiantava mudar de canal. O mundo inteiro não falava noutra cousa.
Zé estava de saco cheio de tanto escutar a mesma ladainha.
Se ganhasse o topetudo o Brasil iria lucrar? E se vencesse a outra?
Foi quando perguntaram a opinião do Zé Peleja. E ele respondeu assim e não assado.
“Ah! Pra mim tanto faiz. Como tanto se desfez. Argum deles dois vai levar meu leitinho miudin lá nas arturas? E quem vai paga o cunserto da minha carroça? A chuva num para. Se ganha o tar Trumpete ou a Camala na mão, quem vai paga minhas conta? Eu memo. Ocês não. E eu quiço”.
Num é que Zé Peleja tá com a razão?