Preocupa-me

Se pensamentos tivessem asas cuidaria de apará-las bem rente.

Para que eles não avoassem tanto. E me permitissem guardá-los aqui dentro. Para que não me atormentassem tanto.

As preocupações mudam com o passarinhar dos anos.

Quando ainda meninos preocupávamos apenas com aquela matéria aborrecida que infelizmente fazia parte de nossa grade curricular. Já a aritmética, que mexia com números, era indigesta ao nosso paladar. Já o português sempre foi de minha predileção. Aprendi a lidar com as letras ainda bem cedo. Com elas formava palavras lindas. Algumas nem existiam.   E frases perfeitas formavam cartinhas de amor. E com que sabor elas eram degustadas por aquela linda menina. Que nos dias de agora por certo se tornou avozinha.

Jovenzinhos nossas preocupações mudaram. Com que roupa iríamos à matinê?  Havíamos prometido levar nossa namoradinha. A qual pensávamos que éramos nós seu primeiro amor.  Mas elazinha era mais rodada que pneu de caminhão na lona. E a gente era apenas mais um.

Já adultos feitos as preocupações giravam em torno de como dar de comer aos nossos filhos sempre famintos. De emprego em emprego pulávamos sem tempo de pensar em nós. Já que a nossa vida se resumia ao trabalho. E nosso salário nem sempre satisfazia as nossas necessidades.

Uma vez idosos as preocupações ainda nos atormentam. Elas ainda cedo ocorrem.

A consulta ao geriatra foi marcada para antes do almoço. E a gente acorda bem cedo. A noite mal dormida foi interrompida por idas e vindas ao banheiro. O desejo por sexo ainda se mantém vivo. Mas quem diz que nosso amigo do andar de baixo colabora? Ele fica murchinho sem sequer atender a nossa vontade. E a outra veinha ressona ao nosso lado dizendo: “fica quieto. Dorme que ainda é cedo.”

Agora, passada a aurora da minha vida. Vendo minha infância perdida. E os anos não voltam mais. Já veinho, nem me lembro mais onde deixei minha dentadura. Que vontade de comer um torresmo. Mas ele nem em sonho pode ser mastigado.

Uma vez passado da idade. Embora velho não me ache. Quanto tento olhar de lado para aquela linda mulher de bunda arrebitada. Vem a minha veinha e me belisca dolorido. E se solto um ai dizem que sou vitima de maus tratos.

As preocupações aumentam com a idade. Como vamos pagar nosso plano de saúde? Que aumenta mais e mais. Nessa idade dita provecta as doenças vem e não voltam. E a nossa minguada aposentadoria mal nos permite viagens de férias. Somente em romaria à Aparecida do Norte mesmo assim paga em suaves prestações.

Dizem que envelhecer é um privilegio.  E muitos param antes de ficarem velhos. Mas experimentem ficar velho sem uma boa aposentadoria. Nem numa casa de idosos irão aceitá-los.

Agora me preocupam as dores nas juntas. A danada da próstata crescida faz reter a urina. E dizem ainda que a visita ao urologista deva ser feita a partir dos quarenta e cinco. Meu amigo veinho gostou tanto dele que depois do toque mandou uma carta de amor. So que até hoje chora por não ter sido correspondido.

Preocupo-me muito não com o futuro. O passado me assedia. O presente me consome. O que vai ser de mim amanhã? Tenho sede de viver. Mas não sei o que pensa a morte sobre mim.

Preocupa-me o destino dos meus netinhos. Nesse mundo adverso não tem lugar para se fazer versos. Vive-se mostrando um lado equivocado de nós mesmos. Ser verdadeiro deve ser evitado. Ao ser mal falado melhor sorrir. Mostre seus dentes. Mesmo sem querer sorrir.

Preocupa-me o destino desse planeta tão judiado. Alterações climáticas se tem observado. Enchentes nos enchem os olhos de piedade das pessoas desabrigadas. Num lugar chove em demasia. Noutros a seca prepondera.

Preocupa-me desconhecer quantos anos mais viverei. Melhor assim, penso.

Já que penso tanto. Preocupo-me mais ainda.  Tenho por mim que melhor seria não dar asas a imaginação.  Deixar meus pensamentos e preocupações sem dar asas a eles dois. Pena que não consigo. Se querer fosse poder, ai sim. Trancá-los-ia aqui dentro e jogaria a chave fora.

Talvez  assim não me  preocupasse tanto. Entretanto não consigo. Preocupar-me faz parte uníssona de mim.

 

 

 

 

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