Sozinho não! Com Deus…

Finados se foi. Novembro, como de praxe, acordou chuviscoso.

Água derriça do alto graças a Ele mesmo. Seu discípulo, à porta de céu, por certo, ao seu mando, abriu as torneiras. E a chuvarada, tão esperada, começa a cair, devagarinho. Fertilizando a terra.  Verdejando a pastaria. Fazendo sorrir o homem do campo. Que dela precisa assim como precisamos do sol para dar alegria a quem vive na escuridão.

Mais uma vez cito finados. Dia dos mortos e de todos os santos.

Dessa vez não fui ao campo santo. Como de outras vezes ali fui.

Em visita ao túmulo de meus pais ali depositei flores. Agora ali deposito saudades. Pranteio para sempre as suas perdas que me causaram tantos danos. Lá, debaixo daquelas lápides cinzentas, descansa um cadinho de mim.

Deus, personagem que não se deixa ver. Mas sei que Ele existe.

Percebo-o em todas as partes. Agorinha mesmo sei que Ele está por aqui.

Deus não apenas se encontra nos templos e nas igrejas. Nas ruas Ele se mostra na sua invisibilidade que se descortina aos olhos dos crédulos. Nas estradas Ele observa, de olhos atentos, os motoristas que chegam ao destino guiado por Ele. Na escuridão Ele é a luz.  Na claridade Ele nos fala: “apaga a luz. Economiza energia”.

Deus se faz presente mesmo na sua ausência. Mesmo naqueles que Nele não crêem Ele se mostra. Protege, abençoa, ora por nós. Deus é pai, aquele avozinho querido, um tio que não nos falta nos momentos de mais precisão. Deus está presente quando digito meus textos. Pra mim Ele é a pura inspiração.

Quando me sinto só procuro a Ele na sala vazia. Talvez Ele se encontre no mesmo quarto onde dormi ao seu lado.

Foi essa a sensação que me passou meu amigo Tom Zé. Gente de um coração do tamanho de sualma. Talvez não caiba dentro do seu peito.

Ele vive solitário numa casa antiga. De paredes caiadas de amarelo palha. Cujo assoalho ringe ao caminhar.  Os quartos são exíguos. As camas são do modelo antigo. “Camas de viúva embora eu ainda não seja”.

Meu amigo Tom sabe como poucos cozinhar. Aprendeu o oficio depois da separação. Sua esposa levou com ela não apenas os móveis como a grande televisão. Agora nada mais lhe resta a não ser aquele casarão vazio. Onde vive só com suas lembranças mais sadias.

De vez em quando sua amada mãe lhe faz uma visita. Suas filhas amadas também comparecem para matar saudades. Que são tantas que quase lhe inundam peito.

Naquele dia um dia depois de finados em sua casa compareci. Mais uma vez ele se encontrava solitário. Pensativo, acabrunhado.

Na horta dos fundos jabuticabeiras exibiam, em seus galhos escorregadios, jabuticabas madurinhas de uma doçura sem par.

Havia chovido de véspera.  A terra molhada fedia a coisa boa. Maritacas e marimbondos disputavam, com meu amigo Tom, as de melhor tamanho. Não cabem dúvidas que os primeiros ganhavam a disputa. Pois maritacas e marimbondos têm asas e Tom apenas vontade de subir na jabuticabeira.

Uma vez aqui em baixo Tom me presenteou com um balaio inteiro cheinho de jabuticabas docinhas. Regalei-me e deixei meio balaio pra levar à cidade.

Já dentro da velha casa Tom Zé me convidou para almoçar. Na trempe do fogão a lenha já estava quase prontinha uma bela macarronada. Recheado de fiapos de galinha caipira de sua criação.

Fartamo-nos com aquele banquete de inigualável sabor.

Antes da despedida ele me mostrou cômodo por cômodo da casa onde morava.

Deixamos a cozinha limpinha. O quarto de hóspede onde quase nunca alguém se hospedava estava entregue ao silêncio. Seu quarto diminuto arrumadinho. À porta de saída seus cães ladravam como a se despedir de mim.

Foi quando indaguei ao amigo Tom se ele não se sentia só.

Ele, num balbucio apenas me respondeu: “sozinho não! Com Deus”…

 

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