O finado Zé Antonho

O dia um de novembro amanheceu ensolarado. Nada de chuva por aquelas bandas.

E como ela era necessária. Era tempo de plantio. De arar a terra. De nela lançar sementes. Adubar na medida certa. Para depois ver as sementinhas eclodirem do chão. Pezinhos de milho verdinhos. E tempos depois se embonecarem dando espigas graúdas. Pondo fim a penúria da fome que o gado se encontrava.

Esse cenário apetitoso se podia ver por aquelas bandas. Gente da roça costuma agradecer ao paizinho do céu, por interseção de seu discípulo São Pedro, a fartura que se deixa ver depois de uma chuva criadeira. O cheiro de terra molhada. A pastaria enverdecer. A vacada engordar. Os canarinhos da terra emplumarem-se de amarelinho. As maritacas verdes em sua revoada chupando jabuticabas madurinhas em disputa com os marimbondos. E toda aquela azáfama dos molequinhos travessos tentando montar cavalos a pelo. Tentando mostrar valentia sendo apenas garotinhos vindos da cidade. Que mal sabem dizer a razão de o leite ser branco saído de uma vaca pretinha. Ou se uma vaca de três tetas da a mesma quantidade de leite das de quatro.

Foi nesse cenário que acordou meu amigo Zé Antonho. Avizinhava-se o sábado.  Dia dois era celebrado o dia dos mortos.

Zé tinha um medo de eriçar os pelos quando se falava da morte. Bem o sabia que seu dia iria chegar.

Mas pra ele viver era mais que uma necessidade de extrema urgência.

Zé já tinha passado, e muito, dos entas.

Quando lhe perguntavam a idade ele sonegava anos.  E ria, sem tirar sua dentadura que de vez em quando cuspia. E falava, descompromissado com o tempo: “ah! Sei lá. Pursquê ocê que sabê? Se nem eu sei”?

Zé era a pura candura em pessoa. Sem defeitos. Só que, quando sua muié era viva, já bem veinha, sem nenhuma idéia de fazer sexo. Zé corria às carreiras pra outras bandas e se deitava com uma rameira que diziam ser mais rodada que caminhão com pneus na lona.

Zé era bom de enxada e não fazia feio com a foice na mão. Nos seus muitos anos já havia feito de tudo um cadinho. Não renegava serviço e se gabava de não levar desaforo pra casa. Era valente até certo ponto. E escafedia-se na brachiaria quando o oponente era duas vezes o seu tamanho.

Zé tinha o costume de abreviar nomes. Dai o seu Antonho. Mais facinho que dizer Antonio. Seu fio Craudio trocava o l por r. Sofria das vistas mas era feliz na escuridão.

Naquela véspera de finados Zé Antonho desapareceu.

“Pronde foi o Zé”? Indagavam seus amigos preocupados. Não se sabia do seu paradeiro.

Bem o sabiam do seu medo da morte. Ele corria léguas quando falavam nela.

“Prosa ruim!” Dizia ele.

Naquele dia de finados todo mundo procurava o Zé.

“Meu Deus. Será que ele morreu”? Inquietava-se a vizinhança.

Procuraram por toda parte. Até no cemitério da cidade deram uma vistoria. E nada de encontrar o sumido Zé Antonho.

Sábado se foi. Domingo deu as caras. Enfim dos finalmente Zé apareceu todo bem vestido. Numa fatiota bem ajambrada. Terninho de ver Deus.

Todos, em comitiva, foram visitá-lo e encontraram-no todo sorridente. De dentadura novinha.  Rindo de nariz a orelha (não seria melhor de orelha a outra?) .

O fato é que o veio, “não tanto”, dizia o próprio. Havia passado o dia de finados em boa companhia da sua amada rameira.

“Não morri não. Ainda vou enterrar ocês todos”!

O finado Zé Antonho ainda esta vivinho da silva.  Embora seu sobre seja de Souza.

 

 

 

 

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