De repente me vi no espelho. Não mais era aquele menininho.
De olhar atento, meio esverdeados. Cabelos louros e anelados. Que foi fotografado de dedinho em riste, como se fosse uma arminha apontada pra lugar nenhum. Vestindo um terninho azul escuro. Numa pracinha da cidade onde nasci.
Essa linda fotografia me remonta aos velhos anos. Quando euzinho, criança ainda, vivia em Boa Esperança; na esperança de um dia ficar grande.
Pensando hoje. Anos e anos depois. Na maior idade em que me encontro se existe remédio para não envelhecer. Contra enfermidades sei que existem aos montes. Contra doenças já criaram. Mas contra ficar velho não existe remédio. O que não tem remédio remediado está.
A vida inteira a tenho visto em meio aos remédios. Receitas incontáveis já foram prescritas desde que me graduei. Exames então foram tantos que nem me lembro de quantos foram. Pacientes tratados se perderam no tempo. Tive contratempos na minha profissão. Sucessos e agradecimentos passaram pela minha vida de médico. Da mesma forma fracassos nunca me fizeram pensar em abandonar a medicina. Pretendo exercê-la até o final dos meus dias. Tenho dito e deixado escrito.
Confesso que não tenho pelos remédios em alto conceito. Alguns deles mals fazem mal do que bem. Pessoas se automedicam. Farmácias existem aos montes. Trata-se de um negócio bem lucrativo. Aqui na minha cidade em cada esquina mora uma delas.
Um dia passou por aqui, na minha oficina de trabalho, uma senhora elegante. Apesar de pesar quase uma tonelada.
Ela vestia negro tentando disfarçar o sobrepeso. Seu nome era dona Maria. O sobre desconheço.
Assentada defronte a minha cadeira ela me disse a que veio.
“Doutor. Não sei se é da sua especialidade. Aqui vim por indicação de uma amiga. Já tive uma centena de infecções urinárias. Agora me parece que elas me deram férias. O último antibiótico que tomei foi esse. Agora a minha doença é outra. Sofro um cadinho de quase tudo. As minhas pernas doem de verdade. Meu braço direito anda meio dormente. O outro também. Minha cabeça anda meio esquecida. Não tenho fome, mas como demais. Sei que estou meio obesa. Não vou à academia, pois tenho vergonha da minha silhueta. Transpiro demais. Quanto faço exames às pobres atendentes do laboratório não encontram minhas veias. Tenho varizes. Sempre uso calça comprida para escondê-las. O último exame de glicemia que fiz deu aumentado. Penso estar diabética. Tomo essa lista de remedinhos. O senhor aprova ou deseja mudar”?
Nesse ínterim dona Maria tirou da bolsa uma centena de medicamentos. Fazia parte deles- insulina, sertralina, sonrisal, melhoral, diabinese, aldomet, metformina, tansulolsina, acetilcolina, rivotril, bromazepan, buscopan, metronidazol, rouxinol, dorflex,dipiroina, creolina. ácido fólico, melhoral, paroxetina, e uma duzentena mais.
Ela ainda me disse que só tomava água na hora de tomar remédios. Vivia numa secura só.
Não andava a pé. Se o fizesse teria bolhas na sola além de chulé. Dona Maria era uma sedentária sem sede. Além de tudo era de muita conversa. Proseava com as paredes até perder o sono.
A consulta se estendeu por mais de duas horas. Aquela ladainha toda me fez pensar em mudar de profissão. De vida não. Quem sabe agora passe a ser apenas escritor?
Dona Maria dos remédios me deixou com uma secura na boca. E ela se despediu com um até breve doutor.
“Gostei muito do senhor.. Quando vai ser meu retorno”?
Até agora não sei. Talvez num próximo trinta e um de fevereiro. Daqui a sem anos. Sem com s sim senhor.