Quanto mais velhos ficamos mais nos assediam as lembranças.
“Oh! Que saudades que tenho. Da aurora da minha vida. Da minha infância querida. Que os anos não trazem mais. Que amor, que sonhos, que flores”… (meus oito anos- Casimiro de Abreu).
Pena que tudo isso não vem outra vez. E a gente só vive uma vez.
Com o tempo passando somos relegados ao olvido do esquecimento. Perdemos pouco a pouco a memória. O olfato nos faz perder aquela sensação gostosa de cheirar o perfume das flores. A audição perdida nos torna motivo de escárnio de gente nova. Assim como a falta de equilíbrio faz claudicar nossa caminhada. E a visão embaçada faz-nos tropeçar nos degraus.
E como era bom dormir até tarde nas horas. Já que o velho tem sono curto. Acorda de hora em hora para ir ao banheiro senão ensopa os lençóis.
Em certa idade perdemos a mocidade. Lá se vai a infância deixando-nos na boca um sabor amaro de lembranças.
Somos alijados de sonhar. Sonho é coisa de criança dizem os jovenzinhos. Nem direito a isso temos mais. Já que nosso tempo se foi. Já vivemos o bastante. E o restante de nosso tempo nem direito a desfrutá-lo condignamente temos mais.
Mal sabem eles que nem todos têm o privilégio de passar dos enta. Pois param no meio do caminho.
Na maior idade perdemos os cabelos. Uma calva luzidia nos faz parecer a uma bola de bilhar. Mas cabelos brancos enfeitam nossas têmporas. E uma barba nevada nos remete ao natal. Só falta aquele alegre “oh” para parecermos ao Papai Noel.
Quando velhos tentam retirar-nos a alegria. Mas quem diz que velhos devem ser tristes se enganam redondamente. Mal sabem eles que felicidade nos inunda o peito quando temos nossos netinhos em nosso colo. Brincando com eles sentimo-nos da mesma idade.
Uma vez idosos tentam tirar nossa capacidade de aprendizado. Mas se esquecem eles que fomos nós que passamos aos jovens a experiência. A inteligência talvez tenhamos nascidos com ela. Mas a sabedoria somente os anos nos ensinam.
Tenho um amigo. Gente de mais idade. Pessoa boa e bem vivida. Temos quase a mesma idade. Ele alguns mais que os meus. Cujo nome é Olegário.
Ele vive pertinho de uma serra alta. Dizem, nos arrabaldes, que ele já dobrou uma centena de vezes aquela serra. Antes era um morrinho só quando ele nasceu.
Seu Olegário ainda hoje tem uma saúde que se melhorar piora. Não se lembra de quando foi ao médico. Até aquele dia quando me procurou.
Era uma manhã bem cedo de segunda feira. Estava aqui quando ele chegou sem se anunciar.
Sem consulta marcada ele aqui veio. Já o conhecia da minha roça.
Causou-me espanto a sua vinda. Éramos chegados. Poder-se-ia dizer amigos.
Seu Olegário assentou-se a uma cadeira defronte a minha. “Confiro minhas nádegas ao assento”. Corrigiu-me ele rindo galhofeiramente.
“O que o trouxe aqui?” Foi minha pergunta.
Ele, num sorriso de mofa, respondeu educadamente.
“Foram minhas pernas e um busão.”
Rimos nós dois.
Ele nem perguntou o preço da consulta e fol. logo dizendo.
“Ah! Sabe por que te procurei? Eu mesmo nem sei. Minha memória anda meio esquecida. Vou a um lugar e me esqueço por onde voltar. Minha vista anda meio anuviada. Acho que preciso operar de cachoeira. O fundo dos meus oio anda meio branquinho. Mal enxergo meu caminho. Mas vou assim mesmo devagarinho. Na minha idade me tiraram a visão. Mal enxergo. Depois perdi a sensação. Que desilusão. No ano passado perdi a audição. Melhor assim. Não ouço as baboseiras que dizem na televisão. Agora, nessa idade em que me encontro não encontro onde deixei minha dentadura. É duro comer torresmo mastigando com as gengivas. No ano passado acabaram me tirando a única pessoa que amava. Lá se foi minha amada Dorotéia. O amor da minha vida. Tiraram-me quase tudo. Só ficou a saudade.”
Seu Olegário fez-me sentir igualzinho a ele. Logo logo só vai me sobrar lembranças pra viver.