Amigos caros, de verdade, não aqueles que se intitulam amigos e seguidores nas redes sociais, amigos fiéis como são os cães, são contados nos dedos quase todos de uma só mão.
Em criança muitos amigos já se foram.
A lista é grande e recheada de saudades tantas.
Posso encabeçá-la por alguns nomes.
Januário, Gibinha, Zé Arlei, teriam sido os principais. A seguir, naquela lista que veste negro, luto sincero e derradeiro, ainda me lembro, olhos marejados de gotas salinas que escorreram-me pelo canto dos olhos, a isso se chama pranto, muitos outros amigos de infância, coleguinhas de curso primário, vizinhos de folguedos, pessoinhas que deixaram sua amizade grudada em mim, mas, num átimo, sem me pedirem licença foram chamados para o lado de Deus, no mesmo céu encantado, lugar paradisíaco, indevassável, desconhecido para os que ainda sentem na pele o doce sabor da vida, embora por pouco tempo ainda, local para onde irei, num dia ainda não revelado, para encontrar meus entes queridos, os primeiros da lista por certo são meus pais.
Junto a esses amigos perdidos em circunstâncias distintas, uns faleceram em acidentes fatídicos, que enlutaram famílias inteiras, a exemplo nomeio meu primo Januário, que comigo viveu numa república de estudantes em Belo horizonte, naqueles frondosos anos em que fazia medicina e ele engenharia.
Já o amigo de infância de nome Otagíbio, pra onde íamos em grupo amigo a um sítio pertinho de Lavras, a fazer travessuras de criança, também nos deixou órfãos de outra amizade sincera, depois de pertinaz enfermidade.
Já o Tampinha, o José Arlei Pereira, de diminuta estatura e larga envergadura moral, com sua voz de trovão, de vez em quando nos visitava naquela república na capital do meu estado, para inserir alegria nova ao grupo de três que ali morava. Ele se foi, a exemplo do Gibinha, após experimentar dentro dele outra doença vil.
Foram tantos e tantos amigos dos quais já não posso sentir-lhes o abraço, que, se ficasse aqui a nomeá-los todos, a crônica se estenderia tanto, tanto, tanto, que não caberia em um chumaço enorme de folhas de papel. E tenho medo, de, ao escrever sobre eles todos, dado ao carinho que a eles devotei, as folhas de papel ficariam borradas, molhadas, devido às lágrimas que derramei.
Deixo estas lembranças boas e amarguradas descansarem onde estão. Mais uma vez, fato explicado pela sensibilidade única, em mim inserida como o espinho à roseira, não sobrevivo ao presente sem me lembrar do passado que a ele precedeu. Não vou adiante sem recordar o que aconteceu.
Dos amigos de hoje desejo falar. Penso serem tanto, os reais, talvez me iluda em pensar que aquela ou aqueloutra amizade é de verdade. No entanto, entretanto, é mais falsa do que uma nota de mil reais.
O amigo que conquistei recentemente não é nascido aqui. Nessa minha Lavras querida, tão cara quanto meu passado, quanto minha família de dantes, tanto quanto a outra família que a sucede.
Quando passei os olhos nesse meu novo amigo, numa academia de ginástica a qual sempre frequento ao final da tarde, pertinho da casa onde meus pais viveram, eu ali me desenvolvi até me mudar para Belo Horizonte, a fim de me enveredar de corpo e mente na profissão que abracei.
Não sei bem o exato motivo por que fui até ele. Queria me vangloriar de arranhar o alemão. Foi quando do jovem escutei a resposta vinda até meus ouvidos com a fluência e eloquência de um cidadão nascido lá no país da October Fest, de Ângela Merckel e de tanta coisa boa. Fora o atentado que num dia destes aconteceu em Berlim.
Como não conhecia o tal rapaz, com todo jeito de ser jogador de futebol profissional, ainda jovem de bom físico, magricela, moreno, falante e de bem com vida, ao ver que ele falava, quase sem sotaque, além do alemão, dono de um inglês perfeito, se expressando corretamente em italiano, no francês eu era mais fluente, no espanhol minha estada na Espanha me fez falar com exatidão, convidei o jovem ao meu consultório.
Quem sabe ele fosse o protagonista de um novo livro, um romance em que as musas se transformassem em muso, um sapo desprovido de carne em um príncipe encantado, um desconhecido em um amigo de poucos dias de amizade genuína?
Assim aconteceu.
Lyon Herbert de Oliveira se transformou em tudo isso.
Depois da conversa inicial, de sentir-lhe nos olhos espertos a ética, o bom caratismo, a inteligência que lhe fervilhava no cérebro, de descobrir dentro dele a verdadeira identidade de um amigo recente, ele, Lyon, passou a ser o personagem central do meu mais novo livro. Que recebeu o nome, hoje ele caminha a passos vagarosos, enquanto as crônicas renascem com mais sofreguidão a cada dia, graças ao cotidiano lindo que meus olhos sensíveis percebem, de: “Por quem os sinos não dobram”. Livro este que retrata a vida de um jogador de futebol que esteve na Europa por mais de seis anos, não fez fortuna nem fama, e retornou ao país de origem trazendo nas malas não apenas as chuteiras, assim como cultura e uma inteligência luzidia.
Lyon e eu nos tornamos amigos. Ele, com seus vinte e oito anos, uma linda mulher, e um filhinho quase da idade do meu neto, passaram a ser parte de minha família.
Com que prazer o recebo, todas as quartas e quintas-feiras, no meu consultório para praticarmos o alemão. Ele, com a vantagem de não se esquecer do lindo idioma daquele país ao norte da Europa com tantas e tantas paisagens lindas. E eu, menos proficiente em Alemão, para tentar me fazer entender ou escrever na língua dos escritores Karl Marx, Thomas Mann, Bertolt Brecht e Friedrich Nietzsche e tantas outras figuras notáveis dois quais se orgulha a Alemanha e o resto do mundo.
Há menos de três meses, se tanto, acabei incorporando mais um amigo a minha lista de tantos.
Januário, Gibinha, Tampinha, já viraram estrelas. Eles brilham como pirilampos no firmamento durante as noites escuras.
Já o jogador aposentado precocemente aos vinte e oito anos, tomara não se aposente da minha amizade tão cedo.
Não antes que nosso livro termine…