Aqueles notáveis vagalumes da madrugada

Sexta-feira passada, desse dezembro que quase se torna passado, morto enterrado, mais um ano que se vai, quantos ainda me restarão? Não importa. Desde que sejam anos bons como os que tenho vivido, ao lado de uma família maravilhosa, que aumenta dia a dia, mais uma vez não importa. É o que desejo a todos os leitores, de coração cheio de amor pra dar, que 2017  lhes seja ameno, carregado de felicidade e saúde, é o que importa pra mim, principalmente agora com sessenta e sete anos, um sênior assumido, feliz com os anos acumulados, com alegria de viver, sempre passando adiante votos de que sejam felizes para sempre, um para sempre do tamanho do abraço apertado que lhes faço de presente, nestas festas de final de ano.

Estava lhes contando sobre o acontecido na sexta-feira passada, quando fui por outro caminho, não importa, quantos não importa, o que conta foram as palavras amáveis que um senhor, com quem me encontrei por acaso, na saída de uma loja de especiarias, ao ver a minha venda de livro ao dono da loja, a prosa animada que eu troquei com meu interlocutor, depois cumprimentei efusivamente aquele casal desconhecido com mimos nas palavras, o senhor, alegre como eu, disse, textualmente: “Encanta-me gente assim. Pessoas que transmitem alegria e singeleza em seus atos, joga vocábulos e boas tiradas em direção a desconhecidos, tenta retirar um sorriso amigável da boca da vida, mesmo que a vida não seja tão cor de rosa como é para algumas pessoas que não têm a sorte de sorrir nas situações mais adversas”.

Eu, antes que o ano feche os olhos e ceda lugar a outro, tenho me encantado com tantas e tantas coisas que nem sei quantas serão.

Não sei por qual o motivo. Mais uma vez, não importa.

Tomara eu continue assim…

A vocês lanço de chofre uma pergunta: “Qual seria o limite do homem”? “Até quando vai a sua resistência frente aos desafios que a vida lhe propõe”?

Dissecando a pergunta: “Numa corrida longa, como a que fiz nesta madrugada de domingo, dezoito de dezembro, até quantos quilômetros medidos com seriedade, um ser humano normal, não um atleta performático, um ultramaratonista exagerado, suportaria alcançar”?

O homem de duas pernas, uma cabeça pensante, um corpo intermediário, teria limites?

Foi na madrugada de hoje que aceitei o desafio de um rotariano que usa o escuso da roda dentada com garbo e vigor.

Ele, de nome Emerson Nonato, mais conhecido por Corguinho, professor de educação física de conceito ímpar entre seus pares, em prol da campanha Pólio Plus, que tenta erradicar a qualquer preço a poliomielite da face da terra, me convidou e a outros malucos surtados, a correr a distância de cinquenta quilômetros entre Ijaci e Ibituruna.

Qual a explicação convincente que faz saltar da cama, em pleno domingo, em horas tempranas, um bando de cidadãos normais, não atletas talhados, para suar a camisa, sentir dor e cansaço, sem nada receber em troca a não ser um muito obrigado e uma oração de mãos entrelaçadas em círculo, na penumbra fria da madrugada.

Foi assim que aconteceu.

Éramos em quase dez.

Ali, à porta da academia de ginástica única de Ijaci, que foi dada a partida.

Grande parte dos corredores usava um kit de corrida que nunca presenciei antes.

Além da roupa especial, eu apenas vestia uma bermuda velha de guerra, embora confortável, um bonezinho branco para esconder a calva renitente, uma camiseta branca como a barba de Papai Noel, uma meia elástica até por baixo dos joelhos, e um tênis de bom pedigree.

Os outros participantes dispunham de um celular com GPS, atado ao braço ou à perna, trajes próprios a corridas de rua, uma mochilinha atada ao dorso, onde se alojava água com gelo, mas o que mais me encantou foi o que levavam à cabeça. Uma espécie de boné especialíssimo. Que mais parecia o capacete usado pelos espeleólogos, os desbravadores de cavernas escuras.

Aquilo, que iluminou a madrugada, quase noite alta, foi que me fez pensar nos vagalumes.

Eles, os de mais velocidade, logo me deixaram para trás.

Eu, com a velocidade de tartaruga manca, fiquei a ver navios naquele asfalto frio, na estrada entre Ijaci e Macaia.

Que madrugada linda estava aquela!

As luzes de Macaia se refletiam na escuridão sem cor da represa do Funil.

Passei pela ponte que liga Ijaci a Macaia em trote cadenciado. Ainda se podiam ver as luzinhas piscantes dos corredores vagalumes.

Em certo ponto da carreira, mais que uma maratona, perdi-os de vista. Estava escuro ainda, e frio.

Subi a estrada entre Macaia e Bom Sucesso pensando na vida. E nos limites do homem, até quando aguentaria correr, quantos quilômetros adiante.

Solitário, sentindo um misto de euforia e desejo de chegar ao ponto final, Ibituruna, segundo me informaram um dos primeiros municípios do Estado de Minas Gerais, deixei Macaia com suas luzes acesas para trás.

Uns vinte e tantos quilômetros me separavam de Bom Sucesso. Eu corria só. Perdi os vagalumes de vista.

De repente o sol se revelou. O frio anterior foi esquentando. Ou seria eu me aquecendo?

Foi quando me vi observando a paisagem que se debruçava ao longo da estrada.

Encantei-me com o verde redivivo. As roças de milho, os cafezais, o gado branco de raça Nelore assustado com minha passagem lenta. Batia palmas e as rezes debandavam velozes pasto afora.

Um boi branco, de chifres pontiagudos, ameaçou investir em mim.

Ainda bem que uma cerca de arame farpado nos separava. Ele que ficasse com suas vacas brancas. Eu, com minha esposa querida. A deusa da minha vida.

Corria em trote lento observando as lindas fazendas do município de Bom Sucesso. Uma delas, juro não ser invencionice minha, me convidou a fazer um curso de administração rural, na intenção de fazer de mim um fazendeiro de verdade. Não um arremedo do que fui. Graças ao bom Deus aluguei minha rocinha prejuizenta a um amigo que entende de vacas e seus afins.

A distância entre Macaia e Bom Sucesso se reduzia pouco a pouco. Nada de ver os vagalumes, de lanternas apagadas, ofuscados pelo brilho quente do sol, que cada vez mais se mostrava.

De quando em vez um carro de apoio me oferecia água. Só a aceitei quase no trevo de Bom Sucesso.

Enfim a terra do saudoso doutor Ari. Um médico que fazia tudo, creio que até milagres. Ele operava do reto ao pescoço, ainda bem que as próstatas hipertrofiadas ele as deixou para mim.

Atravessei as ruas daquela cidade a passos lentos. Tinha sede de água, não de alimento. Era cedo ainda para almoçar.

Parei um cadiquinho na Santa Casa, onde o doutor Ari operava, e suguei, afoito e sequioso, toda água do bebedouro.

Atravessei a praça central da cidade. Cidadãos penitentes oravam na igreja matriz. Uma vez nas imediações da estação rodoviária vi, quase comprei passagem para o próximo, um ônibus que recém saía em direção a Lavras.

Os carros de apoio desapareceram-me do raio da visão já túrbida pelo calor do quase meio do dia.

E Ibituruna ainda se fazia longe. Ela não chegava nunca.

Já no trevo de Ibituruna, ponto final dos cinquenta intermináveis quilômetros, com o sol fustigando-me a cabeça, quase tendo alucinações, faltavam apenas alguns míseros dez quilômetros para me abraçar aos outros vagalumes de lanternas apagadas, um carro resgatou o que restou de mim.

Voltei a minha querida terra amada e idolatrada de carona com um rotariano amigo e sua esposa Cida. Os outros vagalumes, eu não era um deles, acabei por atrasar-lhes a corrida.

Agora, dezessete horas, de uma tarde quente, já no conforto do meu consultório, corpo ainda dormente e dolorido, mas já quase refeito da corrida longa, penso, e desejo ótimas festas aos queridos corredores vagalumes da madrugada.

Continuem a iluminar as estradas, com suas mentes iluminadas de corredores malucos e viciados por corrida, como exemplo, cito eu…

 

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