Meu pé de jurubeba se chama Rosa

“A alegria não está nas coisas, e sim dentro de nós, seja feliz”.

Esse dito ficava estampado em um quadro na parede de uma casinha tosca, numa roça escondida entre o nada e o fim do mundo.

Ali vivia diuturnamente feliz um senhor, já bem rodado em anos, magricela, pedreiro de colher inteira, pessoa assaz conhecida nas bandas de lá, face sempre coberta de pelos brancos que conferiam a ele um aspecto de mais idade que em verdade colecionava no calendário dos anos os quais diziam ter de nascimento. Quem o visse pela primeira vez logo caía em simpatia por ele. Em tudo que punha as mãos em lixa ficava uma lindeza só.

A horta de verdura, que cada vez mais espichava nos fundos de uma casinha recém- reformada pelo dono da propriedade, um médico urologista e sonhador, que acabou repassando sua propriedade, um pequeno sítio hoje lambido pela represa do Funil, a outra pessoa entendida no assunto vaca e seus amantes felizardos, os touros, que inveja tenho deles, nós, da espécie humana, tida como inteligente, a sociedade tenta nos ensinar que só devemos dividir a cama com uma fêmea, pelo menos assim está escrito, no entanto os bois dispõem de incontáveis mulheres sem chifres, agora não se aceita ruminante chifruda, são as mochas que valem mais. Voltando ao assunto do senhor com cara de velho apesar de não ser tanto, aquele da horta de couve cheia de verduras as mais diversas, que vendia, em sociedade com outro pedreiro verdureiro de várias colheres, tinha um segredo escondido no mais recôndito abrigo.

A alegria que se irradiava por todos os poros de sua pele áspera como lixa depois de raspar uma parede grossa inteirinha tinha uma explicação que só ele entendia.

Era um pé de jurubeba que ficava pertinho da cerca divisória da horta de couve enorme, quase à beira de uma estradinha curta que o urologista mandou construir faz tempo, que levava a casa amarelazul a outra edificação modesta, em construção, que olhava com olhos ternos e plácidos a superfície linda da tal represa.

Acontece que o caminho pelo qual passavam vacas e seus amantes foi ficando cada vez mais intransitável, sobremodo na estação chuvosa. Foi preciso, à custa de muito esforço e vultosa soma em dinheiro remodelar aquela estradinha enfiada no meio do pasto, terreno acidentado de terra de boa qualidade, onde cresciam amoreiras, ipês, até um lindo jacarandá roxo, árvore em vias de extinção, ali observava o caminho escorregadio nos tempos de chuvas de verão.

O pobre pé de jurubeba acabou sendo atropelado pela grande máquina de lâminas afiadas que acabou arrancando o pequenino arbusto pela raiz.

Quem entende de plantas medicinais sabe o poder que o solanum paniculatum (nome científico da jurubeba) trás em suas frutinhas verdes, de sabor amargo, comum em quase todo o Brasil, com várias indicações terapêuticas nomeadas a seguir: auxiliar no tratamento da hepatite, gastrite, úlcera gástrica, anemia, acne, anorexia, azia, ressaca, tosse, bronquite, males da bexiga, como a cistite, contusão, febres de natureza obscura, diabetes, gripe, náuseas, tumores abdominais e uterinos, ainda como coadjuvante no emagrecimento.

Quando, no dia de ontem, sábado, véspera do aniversário da minha grande pequena mulher, que hoje completa lindos não sei quantos anos de vida, todos são unânimes em dizer que a idade que a Rosemirian, mais conhecida por Rosa do Paulo Rodarte de Abreu, ou seria o contrário, o que seria de mim sem a minha ROSA, em maiúsculo sim, nada mais que um sujeito debruçado na sarjeta do olvido, embora ela não me dê ouvido, percorríamos a estradinha curta, mais ou menos um quilômetro de distância, o tal dono do pé de jurubeba, conhecido nas imediações por Paulo, o Cara, Jurubeba, e ele, tomador de todas e todas, pescador que não perde isca, verdureiro pedreiro de todos os predicados, pessoa que estimo a exaustão, ao ver seu pezinho de jurubeba arrancado pela raiz quase teve um acesso de ira pura.

Só não teve porque eu o impedi de cometer tal latrocínio com sua pessoinha alegre, humilde, que vive pela família, que se resume numa quase colega de dezoito anos apenas, que cursa o segundo ano de medicina aqui em Lavras, terra da represa do Funil.

Quando procurei saber a razão de sua súbita infelicidade, quase estupefação, ao ver seu pé de jurubeba semi agonizando, mostrando as raízes insepultas, meu xará, vertendo lágrimas salinas pelo canto desencantado dos dois olhos, explicou-me, emocionadamente, que aquele pequenino arbusto, que por vezes chega a três metros de altura, plantado por não sei quem, deve ter sido por um passarinho que trouxe de algum lugar a sementinha pequetita, imperceptível aos olhos desarmados, ali a depositou, placidamente, em pouco tempo nasceu, do quase nada, o lindo pé de jurubeba.

Era com o chá feito das suas folhas espinhentas, com a forma de coração, que Paulo, o Cara, Jurubeba curava suas ressacas homéricas. Que atenuava os males da bexiga entupida pela próstata inchada. Que o ajudava a suportar a gastrite, resultado da pingaiada que o fazia se esquecer das mazelas da vida. Que amenizava as altas taxas de açúcar no sangue. Que o fazia ficar mais corado. Que o ajudou, em muito, a salvaguardar a pele áspera da acne da adolescência. Que quase sempre fazia doer menos as contusões. As febres de origem obscura ardiam menos. As gripinhas marotas, as náuseas, os tumores de útero e abdome que não tinha, tudo, tudo tudo, eram resultado da infusão do chá feito daquele arbusto maravilhoso conhecido por entendidos em plantas medicinais por Solanum Paniculatum.

Ajudei ao amigo xará a replantar a planta. No mesmo lugar de onde ela foi arrancada.

Ainda depositei uma pá de esterco fresco no pé da jurubeba amor da vida do Paulo Jurubeba.

Não sei se aquele pezinho de jurubeba vai sorrir de novo. Não sei se Paulo, meu amigo dileto, vai ter de volta a sua saúde de ferro. Graças ao poder miraculoso das folhas e frutos da jurubeba. Como eu apenas sei sorrir com minha Rosa, aniversariante de hoje, onze de dezembro, quatro dias depois do meu desaniversário.

Sei que a saúde e felicidade do Paulo depende do renascer do seu pé de jurubeba. Como também tenho certeza que minha saúde e longevidade vai depender da saúde e longevidade da minha Rosa querida… Sem espinhos, claro como uma noite linda de verão, iluminada pela luz da lua cheia.

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