A Passagem da Dona Maria da Passagem Boa

Desde nascida, aquela menina, já com sinais evidentes de que seria uma mulher obesa preocupava a família.

Nasceu de parto cesárea, por não passar no canal de parturição, com mais de seis quilos fora as fraudas cheias de mecônio. Era rosadinha e reconchuchudinha a menina. De apgar elevado, como lhe era o peso.

Os demais irmãos, mais jovens, nunca intimidaram a balança, que olhava a jovem Mariazinha com olhos de desconfiança e medo do estrago que poderia sofrer quando aquele trambolho vivo subisse em sua plataforma que faz girar os ponteiros até mais ou menos a marca de cento e cinquenta quilos bem pesados.

Com o tempo pastoreando, com os meses se transformando em anos, com os dias se despedindo do ano velho, prestes a dezembro virar janeiro, a jovem Maria continuava a sua trajetória trágica de se metamorfosear num elefante obeso.

Aos vinte anos já pesava precisos cento e vinte quilos. Aos trinta cento e oitenta. Aos quarenta e cinco fugia da balança como a abelha foge do porrete do moleque caçador de produtoras de mel. Nem precisa comentar-se o peso que a Dona Maria atingiu prestes a entrar na menopausa antecipada.

Talvez, um dos motivos da solteirice da adulta Maria fosse a forma de barril de chope de mais de quinhentos litros que seu corpo avolumado tomou. Nela não se identificava onde começava a cabeça e terminava o pescoço. Era uma coisa só. Ou onde tinha início o tórax e o vizinho abdome. Era uma confusão dos diabos, que nem um pretendente, que logo foi desaconselhado por um primo sabido a não se casar jamais, pois não se deve contrair algemas com mulher gorda, dado ao prejuízo à hora de passar no caixa do supermercado que anunciava descontos de véspera de Natal, conseguia, a olhos guiados por uma lupa de aumento, identificar onde residia um, onde morria o outro.

Dona Maria, tempos depois foi apelidada de Maria Obesa, um dia consultou um endocrinologista. Especialista renomeado, pós-graduado em uma universidade americana com louvor, que a atendeu depois de uma espera mais longa que a fila do SUS em véspera de feriado de final de ano.

Foi pedido à dona Maria uma série de exames auxiliares no diagnóstico (dosagem de hormônios, exames inerentes à glândula tireóide, glicose pós prandial e em jejum, hemograma completo, taxas de colesterol e afins), entre outros menos direcionados à obesidade mórbida da consultante.

No retorno à consulta, depois de uma peregrinação longuíssima pedindo descontos em vários laboratórios de análises clínicas, evidenciou-se a suspeita de um problema hormonal, pois os outros estavam dentro dos limites tidos normais. O que não estava normal era o sobrepeso e ausência de menstruação da pobre Dona Maria Obesa, que depois foi alcunhada de: Dona Maria Obesa da Passagem Boa.

O endocrinologista famoso, de nome Alfredo da Tireóide e da Glicose Diabética, assim que passeou os olhos vestidos de um par de óculos de lentes que mais pareciam telescópios de examinar a Via Láctea, baseado na dosagem dos exames hormonais, identificou a causa da falta de fluxo menstrual que fazia a Dona Maria sofrer e não conseguir engravidar nem com o maior garanhão tido infalível de monta dos arrabaldes. O que talvez tivesse uma ligação com a gordura de fazer a balança chorar quando a pobre Dona Maria (vamos resumir a coleção de sobrenomes desta vez, para não cansar o leitor) quando naquele artefato de ver o peso a “pesante” pusesse os dois pezões enormes.

Dona Maria deixou a sala de consultas, onde, em todas as paredes se exibiam mais diplomas que ela podia suportar, um tanto esperançosa de a vida melhorar.

Enfim o ano se despediu de si próprio. Fogos de artifício, champanhes finos estouraram em mesas fartas, em casas de ricos, na de pobres e remediados o peru recheado foi substituído por um frango surrupiado do vizinho que teve a galinhada toda sumida do galinheiro de tela furada. Em Copacabana o espetáculo se repetiu com menos garbo.

Na casa modesta de Dona Maria ocorreu um fato inusitado.

Ela menstruou pela primeira vez na vida. Conseguiu se engravidar de um sujeito que desapareceu sem que nem ela mesma soubesse quem.

Nos primeiros dias do ano novo mais um capítulo, que não foi o epílogo, sucedeu na vida desgraciosa da nossa personagem fantasiosa de nome fictício de Dona Maria Obesa da Passagem Mais ou Menos Boa.

O filho de Dona Maria, que nunca conheceu o pai, ainda bem, era um cachaceiro drogado mal encarado e aidético, nasceu magricelinha da silva. Sem nenhum doença detectada no seu cartão de vacina.

Depois desta triste e jocosa história, posso, sem sombra de rir, ou chorar, dar nome à boiada: “A passagem da Dona Maria da Passagem até que não foi tão ruim. Mas não poderia chamar de boa”…

 

 

 

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