Eram dois garotos que nasceram quase no mesmo dia.
Nei Mário e Tiãozinho poder-se ia dizer que eram meio primos.
Ambos nasceram em cidades diferentes.
O primeiro conheceu a luz do dia na baixada santista.
Já o pobre Tiãozinho foi cuspido do útero de sua mãe na zona rural de nosso estado das Minas Gerais.
Ambos tiveram destino díspare.
Os pais de Tiãozinho viviam da renda de leite. Cujo preço despencava na entressafra. E mal chegava a um real. E quem pensa que vaca dá leite está redondamente equivocado. Pra encher o balde tem de tirar. Assentado àquele banquinho tosco. Com a cacunda curvada. Faça chuva o incendeie o sol. E as vacas famintas não param de ruminar.
Tiãozinho, antes de o sol nascer, além das tarefas rotineiras, ainda ia a escola. De carona no velho caminhão leiteiro ia a cidade. E voltava faminto, já que não havia levado merenda, com a barriguinha roncando, ávido pelo almoço já frio, deixado na trempe do fogão a lenha. E ele mesmo tinha de esquentar. Na parte da tarde ajudava ao pai na segunda ordenha. A vacada sempre faminta deixava o curral não sem antes passar pelo cocho repleto de trato.
Aquela rotina não o intimidava. Já acostumado ao trabalho duro Tiãozinho crescia no cabo da enxada. Colecionando calos nas mãos e vendo o suor escorrer-lhe pela face. Sem ao menos se queixar.
Aos dezesseis anos perdeu o pai. A mãe, já fragilizada pela doença não mais o ajudava na lida da roça. Como não tinha irmãos era ele quem cuidava daquele palmo de terra. Mas em verdade amava o que fazia. E o fazia com gosto sem se queixar.
Já o outro garoto, de nome Nei Mário, nascido na cidade, logo aos doze anos aprendeu a jogar futebol. Era um talento nato. Considerado um fenômeno logo foi descoberto por um olheiro. E em poucos anos foi levado a um clube onde jogou há tempos idos o maior jogador de futebol de todos os tempos- o rei Pelé.
Nei Mário não parou por aí. Seu pai, antevendo-lhe um futuro promissor, antes de completar maioridade acabou por levá-lo ao exterior. E o novo contrato foi deveras assustador.
Já famoso o não mais garoto Nei Mário acabou angariando uma fortuna incomparável. Uma soma que dava perfeitamente para saldar as dívidas vultosas daquele clube que o descobriu.
Com a cabeça nas nuvens, um tanto desmiolado, aquele jogador famoso se perdeu em baladas e festas de arromba. Sempre tendo seu pai por detrás. E as lesões se sucediam. Ele permanecia mais tempo lesionado do que propriamente mostrando seu bom futebol.
Já o outro garoto, agora homem feito, Tiãozinho nunca foi acusado de mau exemplo. Agora casado, pai de família de bom conceito, permanecia na mesma roça herança do pai.
Até que teve sucesso na sua pequena fazenda. E ela crescia a olhos vistos. Das poucas vaquinhas de dantes passou a possuir um bom rebanho. A renda da família era suficiente para viverem felizes.
A história dos dois garotos diz bem de perto o que vivenciamos hoje.
A idolatria que fazem dos ícones dos pés de barro me afronta.
Conquanto verdadeiros heróis anônimos vivem na obscuridade outros pseudo ícones mostram fortunas nas redes sociais. Exemplos vicejam por ai.
Enquanto trabalhadores suam a camisa em duplas fornadas jogadores de futebol ganham fortunas ao se transferirem a outros clubes.
E idiotas idolatram a quem não se deve.
E as falsas idolatrias pululam pela mídia.
Verdadeiros ídolos são esquecidos. Falsos são endeusados.
Essa é a nossa dura realidade.
É tão fácil separar o joio do trigo. Basta abrirmos os olhos.
Tiãozinhos e Nei Mários são exemplos vivos do que deixei escrito.