As férias do velho Chico

Essa palavra não constava do vocabulário daquele homem valente. Madrugão contumaz.

Acostumado ao cabo da enxada. A acordar em plena madrugada. Faça chuva ou aquele secume que se alastrava desde o verão passado.

Não chovia há tempos perdidos nas lembranças. A única chuvica mansa que caiu mal molhou a terra. Que se mostrava seca e esturricada. Cheia de rachaduras. Empoeirada na estrada. E a pastaria mal dava conta de matar a fome da vacada.

Aos quase setenta e muitos anos Chico não via a hora de descansar. Mas como se dar a esse luxo? Pois era só ele quem cuidava daquela rocinha perdida nos sertões de Minas.

Era quem ordenhava as vacas. Roçava a pastaria fora da estiagem. Arava a terra a espera de semear as sementes de milho. E nem ao menos possuía um trator. Fazia tudinho com uma junta de bois. E, na época da colheita quebrava a roça de milho com as próprias mãos.

Era pau pra toda obra.

O velho Chico não se casou por falta de tempo. Até que amava um rabo de saia e aquilo que se via por dentro. Teve algumas namoradinhas que se evadiram de sua rocinha por não se darem bem com os ares do campo.

Chico aprendeu a cozinhar. A lavar suas próprias roupas um tanquinho movido a feijão. Já que na sua casinha modesta não havia eletricidade. Apenas um fogãozinho a lenha era usado não apenas para cozinhar e esquentar a casa no tempo do frio. Um velha lamparina atenuava a escuridão nas noites escuras. E quando acabava o querosene era um deus nos acuda. Nada mais se via senão a luz das estrelas quando elas piscavam no céu.

Naquele quase final de agosto enfim a chuva voltou. Mansa e fresquinha.

Quem sabe era tempo de tirar uns dias de férias bem merecidas?

Chico fez as malas. Pegou carona no velho caminhão leiteiro até a cidade próxima.

Deixou a sua rocinha entregue a um velho amigo em quem confiava. Prometeu-lhe pagar pelos dias de serviço.

Pra onde iria? Essa pendenga só foi resolvida na rodoviária.

Comprou uma passagem para o Rio de Janeiro. Cidade tida como maravilhosa.

De fato era.

A viagem foi recheada de atropelos. O ônibus, mais velho que Matusalém, cujos pneus eram mais carecas que uma bola de sinuca, acabou caindo numa ribanceira depois de duas horas de viagem. Por sorte Chico salvou-se ileso. Foi preciso quase um dia inteiro para que outro ônibus completasse a viagem.

Enfim a chegada tão esperada à cidade maravilhosa. Chico não via a hora de entrar no mar.

Mais uma vez seu sonho foi adiado. Na pensão de quinta categoria onde foi hospedado afanaram-lhe todos os pertences. Salvou-se apenas a roupa do corpo. A importância que levava numa pochete de couro, presente do saudoso pai, foi levada com as melhores roupas.

Mesmo assim Chico foi a praia. Acontece que o mar estava de ressaca. Ondas enormes debruçavam-se na praia.

Assim que entrou no mar veio uma onda gigante e o levou ao fundo.  E o pobre nem sabia nadar.

Foi salvo de afogamento por um surfista que por sorte surfava naquela praia. E não morreu por não ser aquele seu dia.

E como choveu a semana inteira. Mal se via a azulice do céu.

A primeira noite na cidade maravilhosa não foi exatamente como esperava. Outros atropelos o aguardavam.

Sem dinheiro, sem o que vestir, Chico acanhou renegando suas férias.

Mas como voltar  a sua querida Minas Gerais? De carona não seria viável. De pé muito menos.

Mais uma vez a sorte lhe favoreceu.

Um seu parente, não muito exigente, com quem se encontrou numa sexta feira chuvosa. Quando já se dava como morador de rua. Prometeu lhe emprestar algum dinheiro. A juros mais que amigáveis. Desde que ele assinasse notas promissória em troca da posse de sua rocinha que tanto amava.

Chico não regateou a oferenda. Queria voltar a sua morada.

Já de volta a sua terra encontrou-a do jeitinho que a deixara.

Na semana seguinte mais um percalço apareceu na porteira. Era seu parente com a escritura na mão. O velho Chico não teve como pagar a importância que lhe foi emprestada. Acabou por perder aquilo que mais apreciava.

Já hoje, nesta segunda feira do mês de agosto, o velho Chico jurou nunca mais tirar férias. Agora em férias permanentes, vivendo de sua aposentadoria de um rele salário mínimo.

 

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