Elas se mudaram pra cidade

Há tempos não as tenho visto nos ares da roça.

Aliás, por falar nesse assunto. As roças mais e mais se encontram desprovidas de pessoas.

Creio, na minha descrença, que num futuro não muito distante estaremos sujeitos a uma dieta asfáltica.

Pois os alimentos vão escassear.

As lindas hortas de couve, onde cenouras, beterrabas doces, alfaces repolhudas, terão de ser substituídas por nacos duros de piche. Há quem diga que nada mais restará para comer. E a fome, que já é realidade, vai aumentar numa crescente imensa. Uma fatalidade que já é fácil de constatar pelas cidades.

Há quase quarenta longos anos comecei aqui, nesta cidade que considero minha, embora não seja aqui nascido, numa outra atividade que não a medicina.

Pensava, ledo engano, que todo médico podia ser fazendeiro.

Mal sabia que vaca só dá leite aos olhos do dono. E que retiro é símile  à escravidão.

Ao menor descuido as ruminantes atolam na lama quando a chuva cai além da conta. E que elas morrem a falta de comida.

Nada melhor que ver vacas pastejando aquele capinzal verdinho. Mas quando a seca passa além da conta qualquer bituca de cigarro pode provocar uma queimada que alastra além da cerca do vizinho.

A vida na roça é dura como um pedaço de rapadura que passou do ponto.

Mas, não restam deudas como é gostoso passar as tardes, quase mortas, admirando os canarinhos da terra ciscando o esterco do curral. Ouvindo o grasnar frenético das maritacas quando as jabuticabas amadurecem. Os jacus piando. O casal de seriemas correndo na pastaria.

Eu mesmo não troco aquela vida por nada. Mas viver ali é outra jornada. Tem-se de estar acostumado ao trabalho pesado. Colecionar calos nas mãos e levar cascavel na canela como se fosse a cousa mais natural.

Há tempos não as tenho visto por lá. Rolinhas, suas parentas próximas, são vistas aos montes.

Joões de barro, assanhaços multicores, sabiás de cores dispares, canarinhos amarelinhos, até mesmo viralatinhas pardais, ali fazem ninhos.

Mas elas, que em muito se assemelham as rolinhas, quase despareceram dos ares da roça.

Com aquele canto característico, que parece ao dito “fogo apagou”, sumiram das tardes sonolentas da minha roça.

Ao que tudo indica elas me pareciam extintas ou em vias de.

Elas são também conhecidas como rolinhas cascavel dada a sua plumagem escamada.

E seu canto é único. Atingem maior envergadura que suas parentas rolinhas. E podem medir até vinte e dois centímetros e pesar sessenta gramas.

Hoje, bem cedo, ao deixar a cama, ouvi um canto do lado de fora da minha janela.

Era como se fosse uma delas me acordando. “ Fogo-apagou”; cantalorou uma ou duas delas.

Foi quando me transportei a minha roça.

Nas vizinhanças quase todas estão vazias. Entregues ao abandono.

Somente nos finais de semana se veem algumas pessoas. No mais nada se vê.

Até as rolinhas fogo-apagou acabaram se mudando pra cidade. Não mais são vistas nos rincões rurícolas. Dá-me pena comprovar essa verdade.

A minha esperança, já que ela deveria ser a última que deveria morrer.

É que as lindas rolinhas rajadas, com aquele canto típico, novamente façam o caminho de volta. E como vai ser bom vê-las cantar de novo. Ao lado dos bem-te-vis, dos canarinhos da terra. Quem sabe assim a boa gente da roça conquiste o enorme valor que elas deveriam ter.

 

 

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