De repente me vi nele

Quem já não olhou pra trás e se viu aos poucos anos?

Aos cinco? Menos ainda?

Eu sempre me vejo de mochila às costas. A espera do ônibus que me levava a escola. Olhando do lado meus pais a se despedirem de mim. E, ao chegar lá, aquela professorinha me esperava.

E eu chorava. Muitas vezes meus pais tinham de me receber de volta. Pois eu, garoto manhoso, irrequieto sempre, ranhetava. Minha professora ligava aos meus pais pedindo que me levassem novamente ao meu lar.

Foi preciso um tempão para que me acostumasse a vida de estudante. Pois eu, filho primeiro, era tido pelos colegas um tanto avesso a nova vida que recém começava.

Mas logo tomei gosto pela vida de estudante.

O primeiro degrau foi vencido com alguns tropeços. De vez em quando caía mas logo me erguia. Sempre com meu saudoso pai me incentivando. Minha querida mãe, professora, cuja carreira logo foi interrompida ao casamento. Foi quem me ajudava nas lições de casa.

Era ela quem corrigia meus senões.

Sempre fui um garoto irrequieto. Bulia com quase tudo. Não parava um segundo naquela carteira dura da sala de aula. Mexia com a coleguinha do lado.

Uma vez atirei uma bolinha de papel que por infelicidade minha foi parar na cabeça do professor de história. Acabei expulso por uma semana inteira. Envergonhado deixei a sala de aula. Sob risos da sala inteira.

Mais um ano se foi. Outros o sucederam. Janeiros deixaram espaço para dezembros. E eu envelhecia sem querer.

Em um mil novecentos  setenta e quatro me tornei médico. Daquela turma de cento e sessenta poucos restam. Não sei quantos ainda somos.

Agora, aos setenta e três, confesso sentir saudade daquele postinho de saúde onde atendia quase diuturnamente.

Eram muitos pacientes que me esperavam pacienciosamente.

Creio ter sido numa quarta feira o acontecido.

Pontualmente chegava aquela unidade de saúde as dez da manhã. Sempre movido pelas minhas pernas.

Já uma fila imensa me aguardava. E eu entrava naquela salinha acanhada observando a lista que iria chamar.

Em primeiro lugar entrou na minha sala uma senhora que gostaria que eu prescrevesse uma receita para controlar a sua diabetes. Assim o fiz.

Em segundo um senhor bem idoso, trazido por um filho, que carecia de um exame de próstata. Felizmente estava tudo bem. Não precisava de nenhum tratamento.

A fila foi diminuindo. Do lado de fora escutei uma azáfama. Uma mãe tentava, sem sucesso, aquietar seu filho.

Fiz que eles entrassem.

Uma senhora, exibindo na face sinais de cansaço, levava seu filho pela mão.

Mas ele não se aquietava. Era uma criança hiperativa.

Joãozinho, como era seu nome, numa fração de segundos subiu na minha mesa.

Sua mãe quase caiu de costas.

E ele tomou minha caneta e começou a rabiscar as folhas do meu receituário. E eu não sabia como lidar com aquela criança.

Já era quase onze horas quando enfim terminei a consulta. Uma receita de Ritalina foi prescrita. A mãe de Joãozinho, já quase descabelada, apertou a minha mão  e agradeceu-me de joelhos.

E eles deixam a minha sala irreconhecível.

Foi quando de repente me vi nele.

Aos meus cinco anos. Talvez mais…

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