Hoje emudeci.
As palavras teimaram em não sair de dentro de mim…
Ainda me lembro de nosso primeiro encontro.
Foi na antessala do meu consultório. Aqui pertinho. Onde fiquei por quinze anos até minha nova sala ficar pronta.
Acontece que tive a felicidade de ter sua filha como minha paciente.
E ele, esse professor, senhor de fala mansa, entendido naquilo que me tornei. Um arremedo de escritor.
Pouco tempo depois tornamo-nos mais que amigos.
Meu primeiro revisor foi meu querido tio Francisco Rodarte. Vizinho de meus saudosos pais.
Sempre o encontrava na casa vizinha num cochilo gostoso tomando uma cervejinha sem álcool recostado ao leito. Ele, meio sonolento, lia e rabiscava os papéis com correções e modificações a seu critério com as quais na maioria discordava e não acatava os seus senões.
Senti que meu dileto tio estava cansado de tantas crônicas a ele entregues. Dai a procura de outro revisor.
Há anos nos conhecemos. E aprendi a respeitar e admirar a esse novo amigo meu caro professor Russi.
Agora há pouco recebi a triste noticia do seu passamento.
Foi quando emudeci.
Minha primeira providência foi voltar ao consultório. Aqui do lado tenho minha coletânea de crônica Mugido de Vaca e Cheiro de Curral.
É dele o meu prefácio ao qual meu querido professor achou melhor chamar de Impressões.
Li e reli palavra por palavra. Guardei algumas frases dele as quais transcrevo tais e quais.
“Tenho cá comigo o livro mais recente de autoria do escritor médico Dr Paulo Rodarte, ou, preferivelmente, chamá-lo-ia de médico-escritor? É que as duas partes de tal maneira se fundem que honestamente não sei separar uma da outra. Em todo caso, neste momento, só um dos ângulos permanece, o do escritor. Ah, que grande memorialista tem sido e esse é um traço marcante de suas obras, quinze delas publicadas, se não me engano. Pudesse ele retornar a infância recomeçar tudo outra vez”.
Estas impressões terminam assim: “ Eis, em síntese, o fato retrato do escritor Paulo Rodarte que vejo nos livros que escreve e com quem, por laços de amizade, venho lidando ao longo dos anos. O leitor pode ver diferentemente, e é bom que assim seja”.
A minha impressão sobre o professor Russi não se apaga como ele viu apagar sua estrela no dia de hoje. Como diria Guimarães Rosa- pessoas como ele não morrem. Ficam eternamente encantadas encantando-nos a cada dia.
Ainda me lembro da derradeira visita que fiz a ele. Foi meu caro professor o primeiro a receber meu romance Rakel.
Depois não mais retornei à sua casa.
E não pude saber qual a sua impressão sobre meu romance.
Meu caro professor. O senhor, sempre cercado de livros, naquela salinha acanhada, que recebia o sol à hora de minha visita, impossibilitado de caminhar, quando lia meus derradeiros textos. De vez em quando me parava com essas sábias observações: “ craseie aqui. Aqui cabe uma vírgula. Melhor pontuar”.
E eu percebia o quanto o senhor é e nunca vai deixar de ser importante. Não somente pra mim, como a todos que tiveram o prazer de conhecê-lo.
Seus ensinamentos hão de ficar pra sempre guardados aqui dentro.
O Senhor, honorável professor, pode ter nos deixado órfãos no dia de hoje. E nem sei qual vai ser sua impressão sobre esse escrito.
Mas a impressão que guardo desse meu amigo, revisor, consultor, incentivador, será sempre a melhor.
Um dia nos encontraremos, em outra vida. Se não tinha certeza que ela existia agora não cabem dúvidas.
Um dia o verei, lá no alto, junto às estrelas. Jamais o esquecerei meu amigo professor Russi.