“Veio não! Vivido”

Muitos não apreciam ser chamados de velhos.

Para elas idoso, ou sênior, soa melhor.

Pois velho me parece aquele sapato furado na sola. Que nem remendá-lo  resolve. Melhor jogar fora.

E a partir de quando nos consideramos velhos? Idosos, melhor escrito?

A partir do dia em que deixamos os sonhos na cabeceira da cama. Não sonhamos e não mais fazemos planos.

E que planos podemos fazer depois de muitos anos? Desfrutarmos apenas a velhice?

Vestirmos aquele pijamão listrado aflanelado. Não nos esquecermos de deixar a dentadura num copo cheio d’água no criado mudo ao lado de nossa cama. E ressonar a noite inteira. E levantar a cada meia hora antes que a urina empape com seu odor fétido nossa ceroula cor de rosa.

Dizem, os geriatras, especialidade que um dia irei procurar, que a partir dos entas estaremos fatalmente na idade provecta. Palavra difícil de entender pra aqueles pouco entendidos em nossa linda flor do Lácio Inculta e tão judiada. Longevidade me soa mais fácil de entendimento. A idade que mostramos na face não se mede pelas rugas ou cãs.

Ser velho é mais um estado de espirito que propriamente somam-se ao anos vividos.

Muitos se tornam velhos prematuramente. Uns aos menos de quarenta. Outros continuam jovens aos mais de oitenta.

Tenho um compadre, com quem divido minhas cercas, de nome Seu Curió, não sei se apelido ou como ele foi batizado. Dizem que em criança ele acostumava prender passarinhos no alçapão. E curiós eram de sua predileção.  Pois seu canto era magnifico. E trincas ferros eram outros aprisionados ainda filhotes. Fazendo parte de uma orquestra afinada. Costume que deixou assim que velho ficou.

Seu Curió é um exemplo que o peso da idade não lhe pesa nos costados.

Aos mais de cinquenta dava conta ordenhar mais de não sei quantas vacas baldeiras. E sozinho cuidava de sua rocinha que dava gosto de ver a limpeza dos currais. A belezura do pomar sempre carregado de mexericas que me faziam dar água na boca.

Aos quase chegado aos setenta diziam que ele tinha uma namorada em cada ida à cidade. E elas todas diziam cada coisa de assombrar assombração em noite de lua cheia.

Seu Curió, uma vez chegado os oitenta, quem o visse na capina mal acreditavam que era ele.

Exibia um  rosto liso como bunda de criança. Seus cabelos fartos pouco embranqueceram. Se rugas ele tinha mal se viam passarinhando ao lado dos olhos. E ele enxergava até nas entrelinhas.

Ele, até a presente data, nunca, jamais, foi preciso procurar um médico. Tratava-se ele mesmo de uma dor nos costados com um chá por ele conhecido. Uma gripinha de nada nunca o levou a cama.

Mas, numa sexta feira friorenta, aqui no meu consultório ele apareceu. Do nada. Sem marcar consulta Curió deu as caras.

Sem esperar o meu chamado vi-o assentado defronte a minha cadeira.

Seu queixume era referente a urina. A tal próstata crescida o incomodava. Finalmente.

Seu Curió passava metade da noite assentado ao vaso sanitário. A outra não conseguia dormir.

Depois de ouvir-lhe da própria boca tudo que ele tinha a me dizer. De examinar criteriosamente onde estaria o problema. A princípio ele recusou o exame local. Depois acabou aceitando de mal grado.

Ao lhe prescrever os medicamentos.

Seu  Curió, já pronto a se despedir, quando lhe perguntei se por acaso ele se sentia velho.

Ele, já com a mão estendida, me respondeu, com um largo sorrisão: “veio não! Vivido”.

É, na minha idade em absoluto não me sinto velho. Experiente sim. Um garotinho ainda capaz  de subir na jabuticabeira e disputar as mais doces com os marimbondos e maritacas como fazia na minha doce infância.

 

 

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