Antes de dormir, no meu sono fugaz, peço a Deus que faça do amanhã um dia melhor que o ontem foi. E melhor ainda que o hoje que se despede. E que outros amanhãs que porventura virão.
Nas incertidudes que moram dentro de mim. Já que o ontem deixou de existir. O agora já se foi. E o amanhã não sei se há de vir.
Viver na incerteza movimenta meus pensamentos. Eles avoam como o vento que assopra gelado nestas madrugadas invernais.
Hoje, dezessete de julho, não amanheceu tanto frio. Aqui dentro desfaço-me da blusa que recobre minha camisa.
O céu ainda se mostra escuro. Mal se vê a luz do sol preguiçoso que não acordou sob seu cobertor de estrelas.
Meu relógio assinala menos de seis.
Quando aqui cheguei, nesta segunda feira, ainda era menos de cinco e meia.
Foi um final de semana que passei solitário. Apenas eu e mim mesmo.
A solidão não me incomoda. Ao revés. Ela é ótima companhia para desovar toda a inspiração que me cavouca a cada dia.
Da mesma forma que o ontem já se foi o amanhã traz na sua indefinição algo que me apraz sempre.
Imaginem se soubéssemos o que iria acontecer de agora a alguns minutos. O risco que iriamos correr ao atravessarmos a rua. Nem tentaríamos.
Viver na expectativa de um novo dia dá cores aos nossos sonhos. Lubrifica nossos pensamentos. Azeita-nos a imaginação.
A indefinição do que vai acontecer no dia seguinte movimenta-nos adiante. Caminhar ao reverso, andar pra trás, pode nos dar vertigens.
A tal incógnita do amanhã pra mim é o que me faz sentir vivo. Deixo o ontem pra trás.
Mas não me desvencilho do pretérito.
Podem dizer que sou um sonhador. Um idealista. Filosofo sobre tudo e sobre nada.
Sei que por vezes sou incompreendido. Mas tento não sê-lo.
Sei que deveria dormir mais horas. Mas quem diz que a cama me segura mais tempo?
Pra mim, já que são passados mais de setenta anos, pra que dormir tanto? Se nem sequer imagino quantas horas mais tenho a desfrutar do tempo.
E ele não para.
Agorinha mesmo era cinco da manhã. Agora já se passou mais de meia hora.
Sei que pela minha idade podem pensar que o sono faz falta.
Recomendam os entendidos que dormir por pelo menos oito horas é aconselhável.
Mas a indefinição sobre o que vai acontecer no minuto seguinte a esse me faz acordar antes do nascer do sol. Viver em sobressalto sobre tudo isso deveras não seduz.
Agora mesmo o sol ainda dorme sob o seu lençol de nuvens. Uma tênue luminosidade se mostra na linha do horizonte. Não vejo mais estrelas. A temperatura pouco a pouco se eleva.
A incerteza dos minutos, das horas, é o que me encanta. Da mesma forma que me eleva as alturas o canto dos passarinhos empoleirados no galho mais fino da jabuticabeira.
Agora, seis e vinte dessa linda manhã, nem frio faz, nem calor ao exagero, prestes a chegar o primeiro paciente, ponho um ponto final nessa crônica de agora cedo.
A incógnita do que vai acontecer de agora a mais alguns minutos, não me seduz. Não me apoquenta. Já que águas passadas não movem as pás dos moinhos. Pra que me preocupar com o que vem pela frente.