Por mais que queira me divorciar do passado ele me assalta quase sempre.
Durmo pensando nele. Desperto com ele me lembrando.
Dizem, com muita propriedade, que quanto mais idosos ficamos, mais velhas recordações lembramos de tempos pretéritos.
A primeira namorada. O primeiro beijo que trocamos. O primeiro roçar de mãos que nos fizeram ruborizar. O primeiro e único amor que acabou quando ela nos deixou.
Lembrarmos de quando fomos presenteados com um regalo inesquecível em nosso primeiro aniversário. Quando a nossa mãezinha nos recebeu em seus braços assim que fomos despejados de seu útero quentinho.
De quando a nossa babá, sempre presente, olhava pra nós com aqueles olhos negros carregados de sentimento.
Lembro-me com saudade do meu cãozinho Rebel. Um viralatinha peludo, negro como piche, que perdeu a vida numa briga com um cão bem maior. Quando esse cão de rua ameaçava me morder com seu rosnar intimidador.
Me recordo sempre daquela rua. Era nela, anos antes, que brincava de pés descalços na enxurrada, deixando os barquinhos feitos de folhas de jornal irem abaixo naquele riozinho.
Mal sabia eu que estas lembranças todas jamais seriam olvidadas nos tempos de agora.
Prestes a completar meus setenta e quatro anos, no próximo dezembro, vivo cercado de doces recordações.
Sem elas não respiro. Sem o passado não vivo. Sem acalentar meus sonhos nem sequer cochilo.
Saudades inundam-me o peito.
Uma notalgia enorme entorpece-me os sentidos.
Como gostaria, nem que fosse por uma vez, de voltar ao passado.
De retornar aquela mesma rua nos tempos de outrora.
Ver meus pais ainda jovens. Como essa fotografia que tenho as minhas costas. Eu, penso aos dois anos, nos ombros do meu pai ainda jovem. E minha linda mãe ao seu lado.
Indo mais longe no tempo. Antes dos cinco. De volta à Boa esperança. Naquela mesma pracinha aprendendo a andar. Sob os olhares enternecidos da minha querida tia Cida.
Sou refém de fatos passados. Sou prisioneiro da saudade.
Sinto por dentro um mugido preso ao interior do meu interior.
E não desejo nem de longe dele me livrar.
Não sei até quando viverei de lembranças. Espero por muitos anos ainda.
Até o sopro da vida terminar.
E mesmo do outro lado, se é que ele existe, olharei aqui pra baixo.
E não desgrudarei meus olhos de um passado que tantas lembranças boas me traz.
Vou relembrando lembranças. E elas ainda me assaltam tanto. Delas não pretendo me desvencilhar.