Quem somos nós sem as suas presenças?
O que faríamos à falta delas?
Desde quando aqui cheguei tentei preencher o vazio do meu consultório comigo mesmo.
Mas o telefone tilintava febrilmente. Do outro lado uma vozinha insistente perguntava: “é do consultório do doutor Paulo? Com quem falo”?
E eu, mudando de voz, a ela respondia: “ encarecidamente. Ligue depois das oito horas. Eu não posso te atender. Apenas estou aqui de passagem. Não sei se o doutor pode resolver o seu problema”.
Era meados de um mil novecentos e setenta e sete. Junho ou julho. Se não me equivoco.
Fingia que eu me bastava.
Passei a atender sozinho os consultantes.
Depois tiveram início os convênios. Uma papelada danada entulhava a mesa da minha oficina de trabalho.
Eu, pensando entender de tudo. Se nem o telefone dava conta do recado.
Me perdia entre tantos pepinos.
Ficava no consultório a espera de novos pacientes. O telefone mugia na sala do lado.
Ao entrar o primeiro, o segundo, impaciente, não esperava pacienciosamente a sua vez.
Do lado de fora rugia e mostrava os dentes. E eu, médico neófito, não via a hora de as cinco da tarde chegar.
Do hospital, do lado, a enfermeira me intimava, mais uma vez ao telefone, não havia os celulares, que eu corresse ao leito da enfermaria pois Seu Manoel, recém operado, acabava de se levantar prematuramente. Eu tinha, na correria de sempre, ir logo. Pois senão a cirurgia acontecida horas antes correria risco de ir por água abaixo.
Aprendi, com o passarinhar do anos, que suas presenças são essenciais para que nosso desempenho seja coroado de êxito.
Sem elas agora não sobrevivo. Sem elas não saberia dizer o que seria de nós.
Durante os quase cinquenta anos de lida na medicina merecem citação algumas delas.
Creio que a primeva foi a Claudinha.
Meu primeiro consultório não foi aqui neste lindo prédio onde agora estou.
Se não me falha a memória foi num prédio abaixo. De vez em quando passo por ele. Saudosas recordações.
Um lance de escadas íngremes obrigava meus pacientes a usarem as pernas. Não havia elevador então.
Minha segunda adorável secretária foi a Cidinha. Comigo ela permaneceu mais de dezessete longos anos.
Acabamos nos mudando para aqui pertinho.
No Centro Espirita Augusto Silva ficamos por quinze anos.
Ela era uma faz tudo. Entendedora de números Cida fazia minha contabilidade. Com que perfeição a ela entregava meus caraminguados. E Cidinha desempenhava com mérito tudo que a ela era devido.
Não poderia jamais me esquecer da linda Erika. Loura, pele branca como seda pura, foi ela a responsável pela minha aposentadoria no INSS.
Foram muitos anos de saudável convívio entre nós dois.
Ai veio a Urolito. Uma máquina de fragmentar cálculos renais foi uma feliz iniciativa.
Foi uma sociedade que perdurou anos a fio. Mais um desafio vencido nestes anos todos de urologia.
Nessa época carecia do concurso de enfermeiras.
Na nossa clinica de litotripsia passaram algumas delas.
A linda Roberta. Uma mulata de encher os olhos. A Adenis. Tão eficiente como linda. Outra Claudia enfermeira padrão nos deixou sem aviso. E que saudades a Dóia me traz. Uma fatalidade a levou ao céu.
Mas tudo que é bom um dia termina. A Urolito se foi. Dela só restam lembranças boas.
Agora, espero ser para sempre, mais uma eficientíssima e adorável confidente me faz companhia.
Zaninha sucede à sua irmã com maestria de um maestro afinado.
Elazinha, com suas canelas finas, é pau pra toda obra.
Pontualmente ela aqui chega à hora marcada. Não me lembro de um dia sequer de atraso.
Parece que ela tem rodinhas nos pés. E, da sua casa até no meu consultório conto quase uma légua de distância.
Sem ela, e as outras, minhas adoráveis confidentes, não sei o que seria de nós.