Com muita propriedade dizem- após a cerração o sol racha.
De fato e carregado de direito.
Nesse frio que tem feito nada como aquecer-nos ao sol. A luz me inebria. A escuridão me entorpece.
Hoje mesmo, dia do despertar para seus olhos de meu romance Rakel, deixei o aconchego de minha cama a mesma hora de sempre. Fazia frio. A cor amarelada do céu era um indicio seguro de mais frio no decorrer desse dia.
Não há cerração a esta hora quase madrugada. O céu se mostra límpido como as águas do meu aquário onde peixinhos aquarianos nadam.
De quando em vez a eles indago: “ vocês sentem frio”?
De suas boquinhas ávidas por receberem ração não ouço a resposta. Decerto, se sentem, eles não reclamam. Pois peixes não falam e apenas respiram debaixo d’água.
Certos dias a gente acorda sem alegria. Comigo mesmo acontece assim.
Seria sem graça ter a felicidade enchendo-nos sempre o sorriso a mostrar os dentes. O bom é vê-la alternar-se com uma pitadinha de tristeza.
Altos e baixos fazem parte de nossa existência.
Entendo que para ser feliz basta tão pouco. E para conquistá-la mister se faz entendê-la em sua plenitude.
Ela, a tal felicidade, não guarda qualquer relação com idade.
Pode ser tanto desfrutada na infância quanto na senilitude.
Da mesma forma que idosos são felizes na maior idade jovens podem passar a juventude num mar rodeado de tristeza.
Ser feliz não é prerrogativa de nenhuma idade.
Hoje mesmo acordei inspirado. Noutro dia não encontrei por onde começar a crônica de ontem. Não escrevo sempre com a mesma disposição costumeira. Ela me falta muitas vezes.
Poetas fazem da melancolia o combustível para poetar. Poesias tristes e amarguradas são as mais lindas.
Amargura e paixões mal resolvidas são musas inspiradoras para os amantes de poesia. Alegria e felicidade são coisas e loisas que nem sempre me acompanham.
Tenho momentos de introspeção e apatia. Nestas hora prefiro me isolar.
Já meu amiguinho poeta de nome Antonino, um caboclinho que um dia conheci. Sempre o vejo à beira da estrada. Observando o voo dos passarinhos e olhando pro céu.
Sempre o vejo ali. Naquele ponto.
Por vezes não paro para não incomodá-lo. Pois sei, como poeta que não sou, quando estou a escrever não gosto que me interrompam. A inspiração requer silêncio e introspeção.
Naquele dia uma cerração intensa cobria tudo ao derredor. Era ainda cedo.
Ia em direção à cidade.
Encontrei o Antonino absorto sem seus pensamentos. Ele ruminava qualquer coisa só pra ele.
Mal se via adiante. Não parecia que o sol iria brilhar. Como nesse momento brilha forte fora da minha janela.
Fazia frio. De bater queixo.
Tentei prosear com o garoto Antonino. Ele fez que não me viu.
Antes que desistisse de voltar atrás ouvi uma vozinha fina a me convidar.
“Pode me dar um instante de sua atenção? Hoje não me sinto bem. Falta-me alguma coisa. Gostaria de saber o quê”.
Num átimo retrocedi. Queria ouvir o que o poetinha amargurado tinha a me dizer.
“ O senhor sempre passa por aqui. Mal o conheço. Sei que o senhor além de médico conjuga a outra face de escritor. É verdade”?
Não respondi de pronto.
Estava passando apressado. Uma névoa densa impedia de olhar direito a face triste do Antonino.
Mas, aceitando o seu convite, naquele interregno. Foi ele mesmo quem me contou a razão de sua tristeza.
Acontece que seus pais adoeceram. Sua amada mãezinha foi internada naquela manhã cinzenta. Seu pai a acompanhava no hospital. Ele mesmo se encontrava só.
Depois de alguns minutos de prosa. A fim de amenizar sua tristeza. De antemão sabia que poetas são dotados de enorme sensibilidade.
Ao apertar-lhe a mãozinha fria, saiu de minha boca essa frase: “ esquenta não. Depois o sol brilha”.
De fato. Novamente o sol brilhou. A névoa se desfez. E um belo sorriso apareceu naquele rostinho anuviado do poetinha Antonino.