Como anda frio nesse começo de julho.
Nada se enxerga a não ser a friagem nessas madrugadas geladas.
A pastaria amanhece coberta de uma camada de gelo fininha.
Uma cerração tapa os olhos de quem acorda antes do nascer do sol.
Mas, esquenta o calor ou enrijece o frio, quem mora na roça não tem como escolher se o tempo está bom ou menos ruim.
As tarefas são sempre as mesmas. Alimentar a vacada antes da ordenha ou durante.
Faça chuva ou esquenta o sol. Come poeira ou vomita barro.
O leite tem de chegar no alto do morro antes que o caminhão leiteiro buzine lá em cima.
E o homem do campo não tem de que reclamar. Ora o preço do leite despenca. De outra feita o valor da safra de milho vai às alturas. Que nem com escada alcança.
Mas, mesmo sujeito a tudo isso ele não troca seu pedaço de chão por nenhuma mansão da cidade. Ele sonha ser enterrado aqui. Debaixo de uma jabuticabeira plantada por sua avó.
Ouvindo a cantoria do sabiá laranjeira num galho mais alto da jabuticabeira. Ou assistindo ao valente João de barro fazer sua morada no alto de um cupim morto.
Naquele inverno gelado meu vizinho Zé Antonho tinha de pular dobrado.
Era ele e só mais ele quem cuidava daquela rocinha perdida lá onde a estrada bifurca na encruzilhada para chegar a nadica de nada.
Seus filhos e aparentados há muito já haviam se mudado pra cidade.
Sua amada esposa partiu para outras paragens lá no alto no verão passado.
Mas ele não clamava da vida dura que levava. Era um enxadachim de primeira e com a foice não fazia feio. Quem o visse, naquela idade, aos mais de oitenta, carpindo mato ou roçando a pastaria, não havia como não fazer brilhar seus olhos de pura admiração.
Zé Antonho era mais duro que cerne de amoreira. E ele não se lembrava de quando uma doencinha sequer o tivesse levado a cama senão para dormir.
Naquela manhã de sábado encontrei-o assentado a mesma laje de pedra à porta de sua porteira.
Ao apertar a sua mão senti que ela estava quente. Seu corpo envelhecido suava frio.
Zé Antonho estava febril.
Parei para saber notícias.
Como ele não tinha o costume de se queixar demonstrei preocupação com sua saúde.
“ E ai, amigo Zé. Como tem passado? Tem trabalhado muito? Não é hora de parar? Venda a sua roça. Viver aí sozinho corre o risco de ficar doente e não ter quem o acuda. Venha pra cidade. Seus filhos moram lá. Com certeza eles vão recebê-lo de braços abertos. Você já trabalhou muito. Já é hora de descansar”.
De antemão já sabia a reposta que meu amigo Zé iria dar: “ah, que nada. Ainda tenho muitos anos pela frente. Descansar somente dentro de um caixão. Só aí, de olhos fechados irei repousar. O que tenho é somente uma gripinha de nada. Logo estarei melhor. Com certeza.”
Como era hora de voltar a cidade deixei meu amigo preocupado com seu estado.
Tomara seja apenas uma gripinha de nada. Uma virose bastante comum nestes tempos de friagem.
Um mês se foi. Vi julho fechar seus olhos.
Agosto entrou a contragosto. Setembro trouxe a primavera ao seu final.
Foi num sábado, finado setembro, de volta à minha roca, soube notícias do amigo Zé Antonho.
Com lágrimas nos olhos soube do seu passamento. E não tive a chance de me despedir do amigo Zé.
Aquela gripinha de nada passou a pneumonia. E ele acabou morrendo sozinho na sua cama. Solitário como gostaria.