Sem sonhos não se vive por completo.
Devanear é preciso.
Mas quando os sonhos não se concretizam não é motivo de desanimar. “Sonha de novo” dizia meu avô Rodartino. Dessa vez tenho certeza que vai dar certo.
Desde que sonhemos de pés no chão sábia conclusão. Pois, quando sonhamos além de nossas posses podemos nos esboroar no chão.
Sonhar de olhos abertos deveras é o mais certo. E se por acaso fechar os olhos pense antes de sonhar de novo.
Pra quem não conhece aquele carrapatinho cosquento de tamanhinho diminuto é só dar um pulinho na roça de um tal Zé.
Alcunhado de Zé Micuim dada a pequena estatura que ele mede menos de metro e trinta da cabeçona ao dedão do pé.
Ele pouco cresceu em tamanho. Mas com a foice ou a enxada na mão ele chega a roçar ou carpir mais de cinco hectares de mato denso. Deixando aquele sarandi limpinho como bunda de nenê cheirando a talquinho.
Não tem quem não admire aquele jovem sonhador. Ele, antes empregado de um doutor da cidade, acabou por comprar aquelas terras de boa qualidade só que deveras abandonada a um monte de mato cheinho de carrapato que infestavam o gado no período da seca e ainda dava uma coceira danada na piãozada que ali militava por ordem do ex dono agora passada as suas mãos calejadas desde quando a fazenda mudou de dono.
Zezinho Micuim passou a ser o patrão de todo mundo que dantes lhe dava ordem. E ele obedecia cegamente, com meio olho fechado e o segundo entreaberto.
Agora, ainda não cônscio de sua grande responsabilidade e chefia, era ele quem fazia o serviço pesado.
Acordava ao cacarejar da galinha seguido pelo cantar do galo.
Ia direto a ver a vacada entrar de mansinho no curral. E elas, em pouco menos de meia hora estavam de bucho cheio lambendo nos cochos os restos de sal.
Mas a ambição de Zé Micuim não parou por aí. Queria ir além do arco íris.
Sonhava possuir a fazenda do lado.
Cujo proprietário era um sujeito metido a besta todo gabola por além de ser doutor diplomado fazia de conta ser fazendeiro graduado. Mas de vaca nada entendia. De roçar a pastaria suas mãos lisinhas sofriam só de sonhar.
Naquele final de semana Zé Micuim chegou em visita à fazenda vizinha. Ofereceu uma soma maiúscula dita como irrecusável para a compra. O dono da fazenda mal o recebeu. Desdenhando de sua pessoinha humílima.
Mesmo assim Zezinho Micuim esperou mais um tempinho.
Um ano depois voltou com nova proposta de compra. Certo que seria aceita pelo vizinho metido.
Mais uma de volta com seu sonho desfeito. Contrafeito com nova recusa.
Mas sem sonhar não se vive. E sonhos eram mudados dia a após dias na vida sonhadora de Zé Micuim.
Invernos cederam lugar a verões. Primaveras se depararam com outonos de folhas caídas.
E Zezinho Micuim envelhecia. Dos antes trinta passaram a quarenta. Daqueles quarenta somaram-se mais dez.
Ainda sem desistir da compra da fazenda do lado Zezinho viu a chance de emendar suas terras as do vizinho de cerca.
O tal fazendeiro metido, que tantas vezes dele desdenhou, passava por uma crise mais forte que um abraço apertado dado a alguém que se ama de verdade.
Na volta àquela fazenda enorme, mais ainda que a sua, ao atravessar uma ponte mal cuidada, com tábuas podres e cheia de buracos, um acidente ceifou seus sonhos de concretizar a tão sonhada compra.
No dia seguinte os restos mortais do pobre Zé foram encontrados.
O sonho dele de se tornar estrela do Agro Negócio, já que sua alcunha era Zé Micuim, acabou numa poça de sangue. Em meio a um corpinho exangue. Tal e qual quando a gente pisa num carrapato estrela esmagando-o com o solado de nosso sapato.
Mesmo assim não deixem de sonhar. Sem sonhos a noite não se transforma em dia. Num dia lindo como esta sexta-feira vinte e três de junho.
E meus sonhos me tomam por inteiro. Cada manhã sonho com um texto diferente.
Um novo romance por certo vai suceder a Rakel. Sonho com isso.