“Perdi o norte da vida”.

Quem ainda não se sentiu desanimado, amarrotado, acabrunhado, num dia que acordou sem sol, nebuloso, quente e desgostoso, pensou em dar um sumiço na própria vida, um tiro no ouvido, pular de um prédio alto, ou cair num rio perigoso, de correntes fortes que podem levar qualquer um à deriva, e, de repente, ao ver o sol brilhar de novo, as nuvens negras deixarem espaço ao sol, o ânimo retornar como quando o grande amor de sua vida um dia apareceu do nada, repensar a angústia momentânea por que passava, encher o peito de novo alento, e colocar um leme no barco que antes naufragava em águas revoltas naquele mar de ondas agitadas, que cedeu lugar a calmaria e placidez tranquila de dentro de si mesmo.

Sei que as coisas não andam fáceis nos tempos de crise, tanto financeira, quanto no que diz respeito ao sossego d’alma, sendo o estresse, a depressão, a ansiedade, carros chefes no cortejo dos tempos modernos.

Como exemplo cito a esmagadora maioria dos atendimentos que faço no posto de saúde onde trabalho diuturnamente de segunda a quinta-feira.

Entre dez consultas que estão agendadas cerca de noventa por cento derivam de enfermidades mentais. São estados depressivos crônicos, insônia, esquizofrenias para mim sem classificação por não se tratarem de minha especialidade, estados maníacos obsessivos, síndrome do pânico, e outras endemias pandêmicas de tal forma prevalentes que acabam por contaminar o médico ouvinte, não acostumado a tais doenças frutos de cabeças enfermas tão somente.

Os blocos de receituário azul terminam como as chuvas de verão. Os de receita em duas vias vão e vem como o trem que parte de uma estação, faz baldeação, e retorna resfolegando morro acima, apitando e expelindo fumaça como os trens de ferro antigos, as velhas Marias Fumaças que hoje viraram pecas de museu, infelizmente, pena…

Pouco o médico não afeito à especialidade psiquiátrica pode fazer. Nenhum ser humano, por mais humano que seja, consegue reverter o status quo de um país que soçobra mercê de um oceano inteiro de problemas incontornáveis a nós brasileiros, que perfeitamente podem ser sanados por gente mais educada, tomo como exemplo o Japão, que ressurgiu das cinzas de Hiroxima e Nagasaki mais forte ainda, qual a ave Fênix, ou até mesmo a águia, que para se rejuvenescer bate o bico contra as pedras duras da montanha até que a estrutura do bico caia, e em seu lugar nasce um bico novo.

Todos nós precisamos, para continuarmos vivos, e felizes, termos um mote na vida. Por isso teimo em não me aposentar tão cedo.  Embora quem aposenta o médico não é ele próprio, e sim os pacientes que pressentem o final da carreira do velho esculápio já idoso, embora saibam todos que experiência muitas vezes vale mais que a juventude afoita.

Sem sonhos não vamos longe. Sem vontade, sem desejo, o caminho ao fim dos trilhos se apresenta precocemente. Sem ambição, não sendo desmedida, a gente não cresce, e encalha no marasmo de uma existência que tudo tinha para dar certo, no entanto soçobra em idade nova.

Este meu grande amigo, da mesma idade que cresce de hoje a dois dias, em sete de dezembro coleciono mais um ano aos meus já maduros sessenta e seis, era um grande jornalista e notável cronista, autor de dois ou mais livros, um dos quais prefaciei, de tempos pra cá se viu preso a uma cama de hospital.

Uma pertinaz e hostil enfermidade apossou-lhe do corpo ainda jovem, judiando não apenas do ser humano de carne e osso, como também de sua mente fecunda e brilhante.

Em pouco tempo meu amigo de fardas, embora não seja médico, e sim um baita escritor, foi ficando debilitado, franzinho, sem forças para continuar a vida que Deus lhe fez presente ainda ao nascimento.

Em alguns meses ele ficou irreconhecível, para quem sabia do seu bom humor, da sua altivez, da sua inteligência soberba, sobremodo num dos ramos da inteligência linguística que dizem eu ser possuidor.

Foi durante uma visita de médico que com ele estive. Foi uma passagem rápida pela sua casa, de volta de uma corrida média, alguns quilômetros apenas, ida e volta de trinta e poucos quilômetros.

Encontrei meu amigo entregue a sua doença quase fatal.

Estirado a um sofá, assistindo a um filme na televisão.

Para tomar água precisava da ajuda de um jovem cuidador. Sua dedicada esposa não mais conseguia a ele dedicar a mesma dose de cuidados de quando mais moça.

Ele tentava fumar. Eu não permitia, mas sabia que assim que eu virasse as costas o cigarro de novo seria atirado em sua boca que sentia falta de oxigênio.

Sondas várias adentravam-lhe o corpo esquálido, quase que só pele e osso.

Mesmo assim ele dizia frases quase ininteligíveis: “Paulo, eu gosto muito de você”!

Foi quando partiu de mim a pergunta: “Pedro, por que você eliminou do seu portal a parte alusiva às crônicas”?

A resposta veio num átimo: “Paulo, agora não escrevo mais. Perdi o norte da vida”.

Ao sair da casa do amigo Pedro pensei cá comigo – se fosse comigo não sei o que seria de mim…

Deixe uma resposta