Já tentei, inúmeras vezes, tentar discernir entre paixão e amor. Não sei se fui entendido e compreendido dentre tantas e tantas ocasiões , nas quais comentei sobre amor e paixão.
A paixão passa como as chuvas de verão. Já o amor, este, quando bem alicerçado, calçado em alicerces firmes, não termina com a idade chegando, com as rugas passarinhando-nos pelas faces sulcadas pelos anos, com o andar claudicando, com as cãs sobressaindo-nos pelas têmporas, com o sexo pedindo paz, com a memória em falta, com a cabeça não tão brilhante quanto antes, quando o adulto em forma cede lugar ao ancião que se esquece do que comeu no dia de hoje, mas se recorda com olhos marejados de lágrimas dos pais que já se foram, com os avós que mal conheceram, com os netos que endeusam como aquela santinha protetora que descansa solitária sobre o criado mudo, aos pés da cama onde tentam dormitar e não conseguem.
O amor, ah!, este consegue desafiar a inclemência dos anos. Já a paixão, ah!, essa não resiste ao peso generoso que a balança indica, aos cabelos que não suportam a tinta escura, quando em verdade as cãs já se instalaram faz tempo. As rugas, então, não mais serão sulcos que o arado mostra, na sua passagem pela terra enrijecida pela estiagem prolongada, e sim uma alvura clara, sinal da clarividência da idade madura.
Dizem, ao que concordo sem pestanejar ou farfalhar de asas, que a velhice é uma fábrica cruel de monstros. Não há como disfarçar o peso gordo da balança. Muito menos as rugas que torturam a maciez da pele sedosa, que nem as inserções de Botox tentam acalmar.
Depois de todas estas considerações nascidas do caminhar dos anos todos que vivi, na semana próxima faço nada mais, nada menos que sessenta e sete anos de desaniversário, nem um ano a mais, nem um a menos, antes que o ano faleça, espero que todos, pelo menos uma fatia mixa dos leitores tenha entendido o que tenho dito sobre amor e paixão.
Se não compreenderam pelo menos tentem deixar aqui sua opinião abalizada, sobre estes dois sentimentos que movem a humanidade, fazem girar a roda vida da saudade, mote que aproxima o homem e a mulher, desde quando o amor e a paixão existem, desde quando Adão e Eva aqui perderam o paraíso, por causa de uma serpente amaldiçoada que aos dois ofereceu uma maçã envenenada, fruto proibido nos jardins do Éden, lenda que a leitura Bíblica nos ensina, embora não tenha o costume de lê-la em suas incontáveis páginas de muito saber pelos anos acumulados.
Hoje, quatro de dezembro, há três dias do meu aniversário, quando despetalo mais um ano de existência pura, horas impuras maculam-me o cerne, neste domingo que logo se transforma numa segunda –feira, deixei a cama antes das seis da manhã.
Queria me preparar para uma corrida longa, que aconteceria no próximo dezoito de dezembro, entre Ijaci e Ibituruna, num percurso de cinquenta quilômetros.
No máximo havia corrido quarenta e sete. Entre minha casa e o bairro Simone, na represa de Camargos.
Estava um tanto cansado de me exercitar na esteira do LTC, um lindo clube situado na Rua Costa Pereira, no local que daqui me olha com saudades, dos bons tempos de um passado que não faço questão nunca de sepultá-lo.
Deixei minha casa do condomínio Jardim das Palmeiras desejando bom descanso ao porteiro Ricardo, já que eu nunca iria me descansar nos próximos mais de alguns minutos, entre Lavras e Ribeirão Vermelho, passando pela estrada que leva em suas costas asfaltentas, um trajeto lindo, de nome posto em honra e glória ao Tio Zito Abreu, irmão do meu querido pai.
Estava um dia lindo. Dia que nunca escolheria para morrer, se pudesse eleger entre todos um dia especial para me levarem ao cemitério local, no mesmo túmulo onde estão os restos mortais dos meus pais e parentes perto.
A estrada do Madeira me acolheu com os dois fícus gêmeos gigantes, que enfeitam a paisagem da fazenda do Madeira, com aquele casarão lindo, agora habitado pela viúva do Márcio, e pelo filho do casal que mora numa casa logo acima, de onde se tem uma visão divina das duas árvores gemelares.
Passei a trotes metódicos pela estação de tratamento de água da Copasa. Fui além.
Varei planuras, desci morro abaixo, subi subidas pouco empinados, passei sem piscar d’olhos pela Fazenda Mato Dentro, deixei a Olhos d’ Água na saudade.
Quase no trevo de Ribeirão avistei uma cadelinha de raça igual a da minha, uma Border Collie preta e branca, igualzinha à Valquíria que levei no dia de ontem a Camargos, para fazer companhia ao irreverente Pirunguinha, que fez pouco caso da sua recente namoradinha.
Uma vez em Ribeirão, terra de onde vieram os de Abreu, o mesmo sobrenome do meu pai, Paulo José de Abreu, irmão do Zito Abreu, do Chico Abreu, do último dos moicanos o Alberto José de Abreu, que hoje vive, e bem, em Volta Redonda, da querida tia Liquinha que deixou prole vasta em Varginha, e do tio Bento, um aventureiro que percorreu quase o país inteiro, a maior parte do tempo no Paraná, fui tomar meu desjejum no restaurante Hotel Pingo de Ouro, de propriedade do Paulo, um ex chefe de trem que já rolou naqueles trilhos e hoje resfolega fungando baixo, quase parando, foi quando o senti meio acabrunhado.
Paulo, meu xará, não era assim. Foi depois que a esposa foi vítima de cruel enfermidade que ele passou de alegre e irreverente a se desenhar no Paulo de agora, triste, solitário, atendendo aos clientes ele mesmo, distribuindo sorrisos sem desejar, atarefado como sempre.
A sua filha, enfermeira, agora cuida da mãe, em outra cidade distante daquela rotunda que nunca mais vai ser a mesma, de anos antes.
Deixei o bar restaurante depois do desjejum frugal. Mais ou menos.
De volta à Lavras, pela mesma estrada curta batizada com o nome do meu tio, passei antes pela casa do amigo querido e escritor fecundo Pedro Coimbra. No meu celular existem algumas fotos nossas. Ele, como sempre, embora padecendo de pertinaz moléstia, continua fumando, com a mesma irreverência de sempre. Falando palavrões, acompanhado da paciência da sua calma Eudóxia, esposa dedicada, professora aposentada.
Antes de terminar a carreira ainda fiz uma visitinha de médico ao professor Antonio Russi. Meu amigo antigo e meu revisor dedicado e erudito. Pessoa fiel a sua grande companheira de tantos e tantos anos, dona Jane.
Agora, depois de almoçar em companhia de minha família, do meu netinho Theo, dos seus pais Bárbara e Daniel, de minha esposa amantíssima, do meu filho Stenio e da minha norinha preferida, que logo vai me dar uma neta de nome Valquíria, e de outros convivas não menos importantes, gente de Carmo da Cachoeira, os Reis, foi que pensei no amigo Paulo do restaurante hotel Pingo de Ouro, de Red River, que, sentindo a falta da esposa amantíssima, me disse, com todas as consoantes e vogais, que ela sempre foi e será sua primeira e única paixão, um amor que vai extrapolar os anos, pra sempre perdurará…