Choram os anjos

De vez em quando entro na Igreja Matriz, de portas abertas naquela hora temprana quando desço a rua em direção ao consultório.

Em regra este fato acontece por volta de antes das sete da manhã.  Naqueles exatos minutos poucas pessoas ali estão. Uns em oração, ajoelhados, cabeça baixa, mãos postas ao alto, rezando uma breve oração, um pedido que seja, um agradecimento por uma benção conquistada, e um até logo meu Senhor, que Deus (outro nome seu), na sua infinita misericórdia nos abençoe a todos: ao Manoel, ao Joel, às crianças, aos adultos, aos idosos, os presos às camas dos hospitais, aos que desfrutam de plena saúde, para que continuem a desfrutar a vida em sua beleza sorridente, gozando de todas as faculdades de saúde completa, sejam merecedores ou não.

Dentro da igreja principal da minha querida Lavras, estando solitário ao meu lado, ou com exíguos circunstantes, preferencialmente fico de joelhos perto da porta lateral, bem próximo à saída, mais ainda perto de onde trabalho como médico ou escrevendo minhas histórias. Se contar nos dedos quanto tempo ali passo talvez um ou dois menear de dedos seja o bastante para me despedir de Nosso Senhor.  Talvez seja o tempo suficiente para um debruçar de olhos sobre o rosto de aspecto sofrido de algum santo, pena que não lhes sei de cor os nomes, para perceber se dos olhos daquelas imagens escorrem algumas gotas salinas, as quais, em nós, humanos, de carne e osso, recebem o nome de lágrimas.

Durante os anos que passo pela intimidade de alguma singela capela ou igreja maior nunca percebi da face de algum santo um vestígio qualquer de choro. Se caíram lágrimas, talvez não fossem deles, e sim de minha face emocionada, ao pensar em algum ente amado que se despediu de nós fazem anos distantes.

Em minha opinião não abalizada santos são aparentados aos anjos, pelo menos imagino dessa forma pueril.

Um grave acidente ocorreu há menos de uma semana, neste dois de dezembro que o calendário logo vai engolir.

Foram vidas jovens e preciosas ceifadas num acidente dramático, sem causa ainda não definida em sua complexidade máxima.

Advogam alguns entendedores que tudo não passou devido à falta de combustível que fazia girar as turbinas da aeronave. Já outros questionam tal opção.

De nada adianta apurar, em meu modo de pensar, se foi esta ou aquela fatalidade ou casualidade o que provocou o fatídico acidente. A não ser pensando nas futuras indenizações que deverão receber as famílias enlutadas, muitas perderam um naco precioso de seu passado, uma parte fundamental e cara sob a forma de um filho amado, um pai apaixonado pela cria, um ente querido que partiu rumo aos céus de um país vizinho ao nosso, depois que um avião se partiu deixando corpos mutilados ou em perfeito estado espalhados por aquele local bem perto de seu pouso final.

Nenhum pago ou indenização será suficiente para mitigar, ou pelo menos atenuar as agruras por que passam as famílias que aqui permanecerão em luto eterno.  Nada, ou nenhuma coisa terrena vai ser importante quanto a perda daqueles valorosos atletas de futebol, de um time modesto que lutava com chuteiras e uniformes de cor predominante verde, do lindo estado praiano de Santa Catarina, cujo nome era Chapecoense Futebol Clube.

A Arena Condá não vai dar conta de abrigar tanta dor. O povo de Chapecó creio que ainda guarda lágrimas para velar seus heróis, que partiram rumo à conquista histórica nunca antes experimentada.

Nomes como: Cleber Santana, Kempes, Bruno Rangel, Ananias, Lucas Gomes, Willian Thiego, Felipe Machado, Dener, Mateus Caramelo, Gimenez, Marcelo, Sérgio Manoel, Mateus Biteco, Tiaguinho, Josimar, Gil, Artur Maia, Ailton Canela, e o treinador Caio Junior, não morreram naqueles destroços de avião, ficaram para sempre encantados, como disse João Guimarães Rosa.

A Colômbia das Farc, agora pacificadas?, da alegria incontida da cantora Shakira, de Pablo Escobar e principalmente de Gabriel Garcia Marques, autor de Cem Anos de Solidão, criador de Macondo, sua cidade fictícia, ou da real Medelín, nunca mais serão as mesmas, depois da tragédia com a aeronave modesta que causou o desastre de enormes proporções ceifando as vidas dos jogadores do valoroso time de Santa Catarina, a admirável e admirada Chapecoense.

Ainda estamos sob o impacto da tragédia não anunciada e jamais esperada.  Ainda não percebo o choro escorrer dos meus olhos como está acontecendo com os “barrigas verdes”.

Mas, quando de novo adentrar àquela igreja principal da minha cidade de Lavras, Minas Gerais, de novo, como quase sempre faço, ao ficar de joelhos e rezar pelas almas daquelas pessoas que faleceram, mais de setenta, e olhar os rostos dos anjos, aparentados aos santos, sei que irei vê-los chorar.  Com certeza inexorável.

 

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