Ouvindo histórias no rabo do fogão a lenha

Nada como, nesse pré inverno, com o frio que se anuncia, aquecermo-nos assentados no rabo do fogão a lenha. Com as chamas feito brasas ainda não transformadas em cinzas.

E como era gostoso, nós, primos, uns mais perto e outros vindos de outras cidades, nas férias de fim de ano, uma vez concluso o segundo semestre, dezembro ao seu começo contávamos nos dedos ao vermos encerrar o primeiro ano letivo.

Principalmente se boas notas se mostravam em nosso boletim.

Ao chegarmos à fazenda de um tio meu. Zito era seu nome primeiro e o derradeiro era Abreu.

Como ele era galhofeiro e bom de prosa.

Raras vezes via a sua esposa presente naquela linda fazenda de nome Três Barras.

Foi exatamente lá o berço de grande parte dos Abreus.

Pena que deles todos só restam saudades em meio a lindas lembranças que meus tios deixaram no seu rastro.

Não tenho como não citar um a um: o mais velho era tio Bento. Meu pai vinha no meio. Tio Chico era o galã da turma outro fazendeiro que penso não amar as vacas tanto como tio Zito. Tia Liquinha logo, ao se casar, acabou se mudando pra Varginha. E outro tio Abreu, de nome o mesmo de meu avô Alberto foi o que mais tardiamente nos deixou.

Uma vez na Três Barras, eu já não mais menino, ali chegava todo gabola montado na minha linda lambreta azul e branca.

A minha garupa era assaz cobiçada pelas primas de Varginha.

Eis que a noite chegava escurecendo a pastaria. O gado se recolhia logo defronte ao curral.

A janta enfim era servida cozida nas trempes de pouco fogo do velho fogão a lenha.

Antes que o sono nos levasse à cama era hora de ouvir os causos assombrosos cujo tema sempre versava sobre a cruz da Francelina.

Eu bocejava sonolento. E o vozeirão do meu tio ressoava tal e qual as achas de lenha iam se amontoando em brasas.

A tal Francelina, segundo me contaram, era uma escrava morta no porão de uma fazenda vizinha. Ela, pobrezinha, morreu de inanição pois quem a aprisionou tendo seus pés e mãos atadas a grilhões morreu à mingua anos antes.

Dizem, quem de fato crê nestas lendas, que sualma ainda avoa pelos ares durante as luas cheias nas noites frias de junho.

E quem se metia a valente nestas horas tardias?

Era eu, o único varão metido a valente, fora o contador de causos, cuja ladainha era posta em pratos limpos.

Eu me oferecia a ir sozinho até chegar a essa cruz.

O pago era um prato cheio pelas bordas de angu com feijão feito na hora.

E mal chegava nem cem metros adiante fazia hora para tornar verdade que deveras havia ido até a assombrada cruz.

A volta era sempre saudada com palmas pelas primas sendo guardado segredo entre mim e o contador de causos.

Pena que nós todos, de jovenzinhos ainda, nos tornamos em idade avançada.

E agora não mais contamos histórias aos nossos netinhos pois eles não se desgrudam dos desenhos animados e do celular.

E as achas do fogão a lenha não crepitam mais.

Já hoje, de ouvidor de histórias contadas no rabo dos fogões a lenha.

Passei a ser escritor de causos não nas noites escuras de uma casa de fazenda qualquer.

E sim tendo por companhia o teclado negro de meu computador.

E, lá no andar de baixo ainda sinto de narinas abertas o crepitar das chamas acesas de outro fogão a lenha.

Agora daquele só me restam lembranças de um passado que as brumas do tempo apagaram.

 

 

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