Talvez seja esse o sonho de muita gente.
Olhar-se no espelho e nele não ver sinais evidentes de envelhecimento.
Citados como sendo: rugas passarinhando-nos sulcando-nos a face. Cãs ao lado nas têmporas e por cima um amontoado de cabelo tinto em neve branquinha. Um olhar cabisbaixo e perdido em direção do nada. E nosso sorriso antes cheio de dentes perfeitos agora reduzidos a uma pálida face do que foram dantes.
E nossos netinhos ao derredor da gente tentando nos consolar: “vozinho. Deixe a gente pentear a sua barba nevada. E em sua cabeçona podemos pôr um gorro vermelho? O senhor vai ficar lindo como um Papai Noel, por favor. Não nos deixe ver a sua pessoa desiludida com a idade que tem. O senhor ainda está longe de envelhecer. Pule com a gente. Faça de conta que tem a nossa idade. Não se amofine querido avozinho. Ainda vai assistir aos nossos filhinhos lindinhos como nós somos”.
E a gente tenta nos iludir pensando sermos ainda somos meninos.
Meninos é força de expressão. Melhor dito jovenzinhos como fomos há tantos anos atrás.
São tantos e tantos que nem sei contar nos dedos das duas mãos.
Mas, por que não pensarmos naquela idade da primeira namoradinha que nos viu passar na avenida todo garboso de calça lamê e boca de sino. Um sapato de salto mediano e uma camiseta grudada a nossa barriga afundada não tanto como o Titanic naufragado no mar profundo do Atlântico Norte naquela noite trágica.
A receita de não nos consideramos idosos ou velhos, quando me chamam velho passa-me a imagem de um sapato gasto e furado na sola que nem meia sola dá mais.
Velho? Penso com meus senões. Não tanto. Ainda penso viver mais que o dobro dos anos que me viram a frente do mesmo espelho que quase trinca ao me olhar de frente a cada manhã que dele tento fugir debalde.
Verdade. A velhice pra mim está longe ainda como distante foram aqueles anos do meu curso primário. Ai que saudade da primeira professorinha que me ensinou o baba.
Que eu me lembre ela se chamava Mariazinha. Ela era uma pessoa muito linda. E eu me imaginava atraído por ela e ela por mim. Assentava-me à primeira carteira da sala de aula e prestava mais atenção não a que ela ensinava e sim em suas pernas grossas e cintura fininha.
Ah! Reminiscências…
Como elas são doces…
Mais doces que laranjas da ilha na safra ou mamão com açúcar ou adocicado com mel.
Hoje me permito sonhar que ainda sou jovem.
Aos vinte anos? Menos um ou dois?
Exagerando antes dos dezesseis quando ainda morava naquela casa que nos dias de agora não existe mais a não ser em meus sonhos e devaneios pueris.
Podem me perguntar como se manter jovem mesmo não sendo mais.
Sonhem, relembrem, imaginem.
E evitem se olhar no espelho.
E se por acaso de um descaso olharem de repente.
Mostrem a ele uma fotografia sua aos vinte anos.
Decerto ele vai te dizer: “olha. Essa fotografia retrata uma imagem sua anos antes. Agora a que vejo é bem mais bonita que esta que me mostra. Antes não tinha cabelos tintos de neve e nem ao menos a sabedoria que juntou com sua larga experiência adquirida com os anos que o viram passar. Agora o que vejo. Uma cara recheada de sulcos como o arado faz na terra molhada em tempos de plantio. Um olhar podem dizer inexpressivo. Mas cheio de amor e carinho a dar aos seus netinhos. Vejo sim. Um senhor admirado por todos que o conheceram e ainda tem a ventura de o conhecer. Melhor agora. Não tenha dúvidas.”
Naquela hora só não beijei a face espelhada do espelho por que ele fez cara feia ao meu intento. E só não partiu em cacos pois eu o impedi de tal intento.
Eu não me recuso a envelhecer. Não temo em me olhar no espelho. Não mais tenho a vaidade dos tempos de outrora. Minha vaidade é dizer a mim mesmo: “ que bom você ter tido um passado de tanta afeição tanto por seus pais e com a família que ajuntou agora. Ninguém fica isento ao envelhecimento. É consequência do passarinhar dos anos e ver, por detrás, que nem tudo está perdido. Ainda lhe restam muitos anos pela frente”.
O corpo, o estereótipo, a imagem refletida no espelho, pode dizer que você está velho ou idoso. Mas sualma está reluzindo de nova. Ainda usando cueiros e trocando fraldas quando sujas.
