Mesmo assim ele sorri

Sorrir nas adversidades não é nada fácil.

Sorrir quando a ocasião é propícia alegre e festiva torna-se quase uma coisa dita banal.

Ao caminhar pelas ruas, quando passo por alguém sorrindo em minha direção a ela pergunto: “ sorri de mim ou pra mim?”

Essa pessoa, que tanto pode ser velha conhecida ou não, pode não entender minha indagação. E eu paro para tirar de sua cabeça a dúvida: “ se você estiver rindo de mim  deve ser pelo motivo de me achar engraçado como um palhaço circense a fazer micagens no centro do picadeiro. No entanto. Se deveras você sorrir em minha direção entendo que eu lhe sou especial velho conhecido ou nem tanto. E você me tem em bom conceito por ter-me conhecido numa unidade de saúde qualquer onde dei o melhor que pude naqueles anos todos quando atendia semanalmente a tantos pacientes que me procuravam a fim de serem agraciados como uma receita, um pedido de exame. Ou uma atenção qualquer”.

Esclarecida a questão parto em novas direções pois amo andar pelas próprias pernas enquanto elas duas servirem pra me levar aonde desejo e elas concordarem pois são inseparáveis deste meu corpo ainda não alquebrado aos quase setenta e quatro anos a caminho de celebrar cinquenta de graduado em medicina.

Seu Zé da dona Tiana, sujeito sem defeitos vizinho de roça, sempre que passo adiante de sua casinha fincada num pedacinho de pasto sujo, faço questão de parar minha caminhoneta um cadinho de minutos para apertar-lhe a mão cascorenta acostumada ao serviço pesado de carpir o mato e foiçar as pragas, o motivo declaro nesse ponto do meu escrito.

Como me apraz esquecer-me da linguagem escorreita de um bom português e soltar de dentro de minha boca um “porcauso de quê, pronde nóis vai memo?”

E ele arresponde de pronto: “carma. Pursque tanta pressa? E vosmecê. Toma um cafezinho junto comigo? Ele saiu agorinha memo. E experimente prová minha broa de mio novo. Uma gostusura que dá água escorrendo pelos canto da boca.”

Mas o que mais me encanta no Seu Zé da Tiana é o sorrisão dois mil e não sei quantos. Já que se mede a idade dos cavalos pelos dentes. Dada a sua banguelice total e a perereca novinha recém saída da oficina de um bom protético ele deve ter mais de não sei quantos.

O sorriso gengival desse meu amigo velho é mais vermelho que um tomate bem madurinho.

Mesmo sujeito a tantos problemas que ainda lhe passam desafiando o passado e esticando presente adentro e pelo futuro incerto Seu Zé ainda sorri.

Dizem, como médico experimentado recomendo, que o melhor remédio cura tudo é sorrir sempre. Para uma dor de barriga sorri a caminho do vaso sanitário. Quando enfrenta uma dor de dente nada como sorrir na cadeira do dentista mesmo sem poder.  Sorrir durante o sono nunca me vi rir. Já minha querida irmão Rosinha, como me alegra quando a vejo sorrir.

Mas essa pessoa, meu vizinho do andar de baixo do apartamento onde moro, esse sim sabe sorrir mesmo à mercê de tantas enfermidades que ele coleciona quase como um troféu dos mais valiosos que conheço.

Não vou declinar-lhe o nome pois muitos mineiros já o conhecem desde tempos idos.

Ele foi prefeito. Um grande sim de nossa cidade. Depois eleito para a câmara estadual a seguir tornou-se deputado federal por não sei quantos mandatos. Deixou a câmara para assumir a secretaria de esportes lazer e turismo do estado de Minas Gerais. Nascido nessa cidade em 10 de janeiro  de 1944.  E pra sua cidade amada retornou em companhia de nova esposa onde vive sem reclamar tanto de suas enfermidades enfrentando galhardamente uma cruz pra muitos de muito peso.

Sempre que o vejo ao descer pelas escadas do seu primeiro andar ele sempre sorrindo. Ao a ele perguntar como vai de saúde ele responde prontamente: “ mais e mais melhor.”

Meu vizinho do primeiro andar não se separa tanto de seu riso como de sua linda mulher.

Uma dia, quando minha Rosa não se fazia presente dei de dedo na porta de seu ap.

Estava faminto como sempre. E não sabia por onde andava a minha esposa.

Havia recentemente recebido do sul uma bombacha novinha enviada pelo correio de outro amigo Seu Dirceu Stein pai de minha norinha estudiosa menina vinda de Palmeira das Missões no extremo sul do Rio Grande.

Acabei, mesmo não sendo convidado pelo dono do ap, a uma festa preparada com capricho pela sua esposa amada.

E não somente saciei meu desejo de comer alguma coisa como de me confraternizar com esse deputado amigo.

De novo o vi sorrir.

Sei que ele sofre dores e mesmo assim a elas não dá valor.

Sei que vem se tratando de enfermidades mas elas irão passar.

Da mesma maneira sei que, se seu sorriso um dia não mais irradiar simpatia. E a sua moléstia um dia por certo, como a todos nós irá dobrar.

Tenho dentro de mim outra certeza.

Se um dia eu mesmo tiver de passar a outra vida por favor lhes peço: “ não escondam meu sorriso por debaixo de um amontoado de flores. A elas prefiro que escondam o meu sorriso por baixo de um monte de livros meus.”

E os presentes ao meu velório irão comentar: “ah! Agora sei por que ele sorri tanto. De tanto que ele gosta de escrever.”

 

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