Impressões sobre mim

Não sei bem o motivo, qual seria a razão, talvez devido à vaidade do bicho em questão, todos nós, humanos, raça tida como superior, situada no degrau mais alto da escala zoológica, muitos podem pensar ser um ledo engano, quase todos, jovens, adultos, não tão adultos nem tanto jovens, as crianças não são reféns dessa preocupação, os idosos já deixaram de esquentar os miolos com tais exibições da plumagem do pavão, estão indelevelmente ensimesmados com a opinião que fazem deles próprios. Muitos até perguntam, defronte ao espelho espelho meu, quem seria a coisa mais linda que o mundo já conheceu?

Mal sabem eles que o espelho pode sorrir se partindo em caquinhos cada vez menores, do tamainho da vaidade imensa que mora dentro de cada eu.

Do meu lado penso, ou talvez minto ao dizer que pouco me lixo da opinião que fazem deste ser cada vez mais velho, embora os de menos idade me atraiam tanto. Tanto faz, tanto fez, se pensam mal de mim, ou se falem mal de mim, o que importa a opinião de terceiros se nem mesmo eu sei quem sou eu?

A princípio, quando pela primeira vez em Lavras aportei (vim da Espanha em navio mesmo, nau partida de Barcelona, num convés inferior, viagem que durou exatos doze dias, confesso não ter me sentido mareado nem uma vez).

Ainda jovem esculápio, com a cabeça repleta de ideias novas, recheada de novos saberes, muitos que comigo conviveram sem me conhecer pelo cerne, podem ter achado metido aquele mediquinho que usava tamanco nos pés, cabelos feitos a poder de escova, com uma barba negra como o pirata da perna de pau, de fala ríspida, que não gostava quando o chamavam ao telefone fora de hora para resolver um problema que eu mesmo causei, quando a operação de uma próstata aumentada, que acabou sangrando na madrugada, e lá ia eu de volta ao bloco cirúrgico para desentupir a sonda enfiada na uretra, resolvendo de vez a inusitada situação que não saiu a contento mas depois se resolveu.

Creio que a opinião das adoráveis e competentes enfermeiras, esmeradas companheiras, sem elas nada poderíamos fazer, não tenha sido favorável ao esculápio recém chegado das terras europeias. A dos colegas de farda não imagino qual a opinião faziam de mim.

Uma ideia favorável ao menino, depois jovem, depois veio a ser adulto, ela não me viu passar à idade velhusca, pois faleceu antes de esse fato acontecer, com certeza minha mãe e meu pai tinham de mim o melhor conceito.  Apesar de algumas reprimendas maneiras, um castiguinho que redundou em passar a mão na cabeça, com os seguintes dizeres: “por favor,meu filho, vê se toma juízo na próxima vez”.

Os anos foram passando com certa malemolência. E eu crescia não muito na vertical, e sim nas ideias fecundas que me atormentavam com esdrúxula frequência.

As opiniões sobre minhas várias identidades: sobre o fazendeiro que um dia fui, péssimo no manejo com o gado mestiço, sobre o médico que nunca vou deixar de ser, sobre o pai que tento melhorar em sê-lo, sobre o avô neófito que hoje consegui descobrir dentro do meu peito amando meu primeiro neto, sobre o escritor que deseja se tornar reconhecido além da serra da Bocaina que daqui me olha com olhos suspirantes, sobre o poliglota que tenta melhorar a sua proficiência nas línguas ainda vivas, as mortas desejo vê-las descansando em paz nos velhos livros, sobre o atleta que passou a correr dele mesmo, sobre o poeta que em absoluto não sou, sobre tantas e tantas facetas que nem mesmo eu sei quem sou, hoje pra mim não são importantes, quanto a família que hoje quase acabei de criar.

Já ontem, quase final do dia, numa terça feira com ameaça de chuva no alto, quando malhava na academia do condomínio onde moro, ainda, assim que meu olhos debruçaram-se por sobre uma menina linda, com um sorriso angelical, fazendo exercícios perto de mim, não resisti e empreendi uma prosa boa, num inglês fluente por parte dela e capenga do meu lado, por alguns minutos apenas.

Falamos de amenidades. De banalidades, tipo quem sou eu, quem é você, o que você vai ser quando crescer, onde mora (eu já sabia, era no mesmo condomínio, um pouco acima), qual a sua opinião sobre mim.

Aquela linda menina inteligente, pródiga em inglês, não sei se conhecedora de gente, de pessoas, ao fim do papo, altos papos, assim que a ela perguntei qual a sua opinião sobre a minha pessoa, se sobre o médico que ela bem sabia que eu era, sobre a pessoa do fazendeiro agora aposentado das vacas mas continuo amando as ruminantes, sobre o poliglota mal resolvido, sobre o escritor em busca de ser reconhecido fora dos meus muros, da minha cidadela querida a amada e idolatrada salve salve Lavras do ex Funil que a barragem domou, sobre os tantos Paulos que a saudade dos meus pais revelou no dia de suas mortes, como chorei de dor, ao vê-los encobertos sob a terra para onde também um dia irei, ela, com seus olhinhos espertos, assim concluiu sua impressão sobre a pessoa que um dia o espelho revelou em sua cara espelhada, que não era nada além de um sujeito qualquer.

“Paulo, you are a great Guy”.

Só não consegui soletrar, “Thank you”.

Naquele instante exato percebi o quanto aquela menina linda não sabia identificar o joio do trigo….

 

2 comentários sobre “Impressões sobre mim

  1. Juventude, linda , maravilhosa e vigorosa! Com memos preconceitos… Mas, realmente, nessa epoca e talvez a Vida toda, tenhamos dificuldades em separar o joio do trigo. Mas, seguimos sempre confidantes pra que tudo melhore.

    • grato cara amiga recente – foi ótimo fazer-lhe uma visita de médico,pois seu pai está no momento enfermo – concordo com o que disse sobre a juventude, exemplo da linda mocinha inspiradora da última crônica – quanto a separar o ruim do menos ruim, o joio do trigo, compete a nós, os mais velhos, fazer desta missão um sonho bom – mais uma vez obrigado – melhoras para o seu pai – meu amigo velho

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