Já passei por muitos e muitos natais em minha vida.
Foram tantos e tantos que meus dedos todos não dão conta de apontar quantos foram.
Caso tenha na idade um ponto de referência, os sessenta e seis bem vividos, que logo se desdobrarão em mais um, nem sequer imagino quantos mais serão, tomara outros iguais irão nascer, são, em minha conta canhestra sessenta e seis natais.
Nos primeiros anos de minha existência, naquela Boa Esperança que a desesperança não desenterrou, nem me recordo mais se havia árvore de Natal. Se era um pinheirinho arrancado do fundo do quintal, ali nascido ignorando-se de onde veio a semente, ou se foi deixado no lixo do Natal passado, por algum vizinho mais abastado, que no Natal seguinte comprou uma árvore novinha numa loja granfina, enfeitou-a de bolinhas coloridas, em seus galhos de plástico distribuiu aqueles enfeites prateados, iluminando-a com luzinhas piscantes, como vagalumes nas noites escuras, à espera da chegada do Papai Noel com seu trenó puxado por renas chifrudas.
Os outros natais seguintes, deles sim, me recordo com exatidão, foram passados na Rua Costa Pereira 155, rua esta que tudo tem a ver com meu passado, na casa onde viveram meus pais.
Que Natais felizes ali passei!
Quando completava cinco anos nasceu meu único irmão. O outro, entre nós, batizado de Frederico, não veio a conhecer a vida do lado de fora do útero de minha mãe. Quis uma força superior que ele passasse seu primeiro e único Natal ao lado de Deus pai. Na azulice do céu, ou na penumbra das noites escuras, com a presença da lua por testemunha, e saudade nossa como último desidério de meus pais.
Daí em diante, dos cinco anos à frente, nossos natais foram passados e repassados em família, pouco numerosa, dava perfeitamente para contar nos dedos de uma só mão quantas pessoas se confraternizavam no entorno da árvore de Natal. E numa mesa farta, em contraste a tantas onde faltava quase tudo. Não sei se tinha o essencial.
Ainda me lembro de quando descobri, naquela noite de sono curto, como até hoje acontece, escondidinha ao lado de uma escrivaninha presente de meu avô materno, o saudoso vô Rodartino, aquele que andava pela cidade inteira com seu terninho azul marinho de listras brancas e finas, na vertical, com a mesma sandália de couro sem anteparo na parte de trás, que veio a nos deixar muitos natais depois, uma patinete feita em metal brilhoso, com duas rodinhas duras feitas em borracha resistente a quase tudo, mesmo a falta de habilidade de um moleque artioso como eu.
A partir dos dez anos em diante os natais foram ficando diferentes. Os brinquedos mudaram muito. As bolas de futebol, os caminhõezinhos feitos pelos presos que perderam a liberdade por um ato falho qualquer e nunca mais conseguiram trilhar o caminho do bem, cederam lugar aos vídeo games, aos carrinhos guiados à distância pelos controles remotos, as bicicletas sem rodinhas, quantas quedas delas levei, resultando em galos na testa que cantaram por pouco tempo, graças ao beijo doce desferido de chofre pelos lábios carinhosos de minha mãe.
Já aos quinze anos ou mais os natais foram perdendo a graça. Muitos caíram em desgraca, por culpa de quem? Da ausência paulatina do sumiço da criança esquecida dentro de mim.
A partir de mais de vinte já quase não se comemorava mais as festas natalinas.
As lindas árvores enfeitadas de bolas coloridas, com luzinhas pisca-pisca, com as guirlandas prateadas ou de que cor fossem, foram desaparecendo das minhas lembranças, perdendo o suco doce da esperança, até perder o sabor de mel para se transformar em fel.
Acontece que o menino que se escondia dentro do meu eu desapareceu de vez em sempre.
Carecia, com premência urgentíssima, descobrir em quem se metamorfosearia aquela criança tão bem acarinhada por meus progenitores.
Qual caminho iria percorrer na até então estrada longa de uma vida ainda sem rumo certo?
Caso fosse médico, em minha cidade de adoção, a querida Lavras que até hoje acolhe meus repentes de insanidade e mau humor, meus momentos de raivosa ira, alternados com meus hoje irreverentes até logo, ditos a queima roupa durante minhas caminhadas furibundas pelos passeios mal cuidados da minha terra encantada, onde não tenho o umbigo enterrado, mas aqui, no mesmo cemitério onde descansam meus pais, quero deixar pelo menos vestígios benignos da minha passagem longa pelas ruas as quais percorri. Entremeadas de momentos felizes e outros nem tanto.
Por falta de escola de medicina tive de me ausentar de aqui. A capital mineira me recebeu com desconfiança em seus olhos de espigões altaneiros. Ela me olhava de cima, do alto daqueles prédios enormes. Verdadeiros arranha-céus que não ousavam tocar a veste de Deus pai, nosso criador e tutor.
Uma vez de malas prontas a rodoviária me esperava com seus ônibus, quase jardineiras, me perguntavam por que eu estava triste, o que que foi que aconteceu. E eu não respondi como a letra daquela música antiga: “foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros, e depois morreu”.
Uma vez vivendo em Belô, daquele horizonte hoje carcomido pelas mineradoras sugam minério de ferro, felizmente hodiernamente em menor escala, as árvores de natal desaparecerem de vez em quase sempre.
Para só ressurgirem das suas achas de lenha que quase viraram fumaça na fogueira dos anos que passaram anos e anos depois.
Agora, de filho que se tornou pai de dois lindos meninos criados, bem criados, pouco malcriados, as vezes as discussões transitam pela mesa de almoço, inevitáveis querelas que fazem parte das mazelas de qualquer família normal, que se quer bem, acabei me tornando avô.
Hoje tenho um netinho lindo de nome Theo. Logo vai nascer outro, ou outrinha, de preferência minha uma linda menina, a qual, se seus pais permitirem vou batizá-la de Valquíria, nome de flor? Não importa o nome, o fato é que ela, ou ele, sejam felizes, como eu tento ser.
Nos dias de hoje, a criança que se transformou em avô, faz parte do ciclo de viver e deixar de existir, como se foram meus pais e meus avós, os natais foram se transformando pouco a pouco.
De recebedor de presentes passei a ser doador. Da espera da chegada de Papai Noel passei a ser o mesmo bom velhinho, sem as barbas branquinhas (se deixar a minha crescer, e esperar um tempão, ela vai ser tal e qual a do Papai Noel de que conta a fábula ter vindo de trenó do Pólo Norte, no entanto, no meu entendimento, ele comprou todos os presentes a prestação na grande loja de departamento num dia de Black Friday qualquer).
Hoje, prestes a completar sessenta e sete anos, no desaniversário que acontece no dia sete dezembro, a epopeia dos natais da minha vida pregressa tomara continue sem pressa, no desenrolar dos anos que me restam…