Natal atribulado do desafortunado Zé da Mula

Era véspera de Natal. Precisamente dia vinte e três de dezembro.

Zé, alcunhado de Zé da Mula, embora seu nome verdadeiro fosse José da Silva Antonino, acordou, naquela manhã chuvosa, céu escuro, chovera da noite inteirinha, assoberbado de problemas.

Dezembro não estava sendo um mês fácil. Aliás, o ano inteirinho mostrava-se carregado de atribulações de todos os tipos e cores.

A safra de milho não foi a contento. O leite despencou de preço. A energia elétrica subiu no alto do poste. A renda não acompanhava as despesas.

E o pobre Zé sofria na carne magra toda a sorte de malefícios.

Ele vivia só. Naquele pedaço de chão longe da civilização. Devido a tal pandemia não conseguiu a tão sonhada aposentadoria. As agências da previdência continuavam de portas fechadas.

E, apesar de muitos anos de serviço, da idade avançada, Zé atingiu, naquele final de ano, mais de setenta anos. No entanto parecia mais.

Pela televisão, que sempre ficava fora do ar, assistia as noticias sempre ruins: o número de óbitos aumentava dia após dia. Os preços dos gêneros alimentícios subiam como foguetes em direção à lua. A carestia impressionava. Assaltos, corrupção, eram banalidades que não mais impressionavam a ninguém. A miséria campeava a Deus dará. Sem tetos mendigavam em cada esquina. Mesmo assim, nestes tempos de pandemia, pessoas se acotovelavam pelas ruas. Parecia o final do mundo.

Naquela manhã de quarta-feira, véspera do dia de Natal, assim que terminou as tarefas da manhã Zé da Mula resolveu ir à cidade.

Arriou a montaria. A mula do Zé parecia adivinhar o que iria acontecer. Empacou, relinchou, e, depois de muito convencimento decidiu ir adiante. Era dez horas da manhã quando ambos chegaram à cidade.

As ruas estavam um furdunço verdadeiro. Não havia onde estacionar os carros. Onde amarrar a minha mula? Pensava Zé.

Foi quando, a porta de um supermercado, no centro da comunidade, Zé teve uma ideia, que parecia boa, até que se provasse o contrário.

Mal imaginava o que iria acontecer.

Naquele estacionamento, no subsolo, o desditoso Zé deixou a montaria paradinha entre dois carros. Pensava ser um lugar seguro. Ledo equivoco.

De repente começou a chover.

Compras feitas, a enxurrada desceu alagando tudo em volta.

O estacionamento foi coberto por aquela água lamacenta. Nada se via a não ser aquele mar de lama.

Carros com barro até o pescoço. Onde estaria a sua mula de estimação? Foi a pergunta que ficou no ar.

Depois de muito procurar, o pobre Zé, desarvorado, acabou encontrando a sua mula em mãos alheias. Ladrõezinhos pês de chinelo haviam afanado a mula. E a levaram a uma vizinhança não muito benta.

Com a ajuda de um alcaguete, um molequinho de cabelos tintos, Zé afinal encontrou a mula amarrada a um poste. Foi preciso pagar um resgate para tê-la de volta. E não foi pouco a quantia.

Era quase o final de dia quando enfim o desafortunado Zé conseguiu voltar a sua rocinha prejuizenta. Com o embornal vazio. Os larapiozinho levaram todas as suas economias.

Restou-lhe apenas e tão somente a mula de estimação.

Naquela noite, quase dia de Natal, Zé decidiu mudar de vida.

Passou adiante a roça. Foi viver na cidade. Depois de tantas desventuras terminou seus derradeiros dias num asilo de idosos.

A mula teve um final trágico. Foi atropelada numa avenida. E nunca mais se viram. Talvez no céu eles se encontrem novamente.

Zé da Mula viveu até os noventa anos. E a mula querida alguns anos mais.

 

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