Já vi quase todo tipo de amor.
Amor filial. Paixão de carnaval. Amor verdadeiro. Aquele que se doa por inteiro.
Amor que não resiste às chuvas de verão. Que termina assim que as chuvas param.
Amor que se transforma em rancor. Quando a separação acontece.
Amor que vai se transformar em saudade. Quando um deles desaparece.
Amor que não resiste à distância. Pois o verdadeiro requer proximidade. Amor que desaparece depois de uma traição. Pois em todos os casos de amor um dos requisitos principais é a fidelidade.
O verdadeiro amor se estende depois da vida. Pois almas gêmeas nunca se separam.
Há tempos tenho visto, com meus próprios olhos, um caso de amor verdadeiro.
Eram dois cães que foram separados pouco tempo depois de serem apartados.
Um deles, um pastor alemão, comprado por mim desde filhotinho, foi morar na minha rocinha encantada.
A outra, uma Border Collie de bom pedigree, foi a mim ofertada por um costume assaz difícil para quem mora na roça. A danadinha amava correr atrás de galinhas. Não se alimentava das frangas novinhas. Apenas adorava vê-las subjugadas, a sua mercê, indefesas depois de uma correria ensandecida. O nome dado ao macho foi Del Rey. A outra, que vivia distante, numa outra represa, foi por mim apelidada de Laika Rosa.
Um dia eles se uniram. O amigo de quatro patas, Del Rey, foi infestado de bernes e carrapatos. Tive de interná-lo numa clinica veterinária. De onde ele saiu curado. A outra cadelinha, assim que foi apresentado ao Del Rey, foi amor à primeira lambida. Eles ficaram juntos por pouco tempo.
Um mês depois tive de separá-los. Del Rey retornou ao seu lugar de origem. Preso num canil majestoso. Com vista para o lago do Funil.
Laika Rosa continuou na sua vidinha de cativeiro. Ao lado de outro Border Collie, o Pirunguinha, que vivia em liberdade. Pois ele não era acostumado a incomodar as galinhas.
Era um serelepe latidor. Tentava abocanhar as marolinhas da represa de Camargos. Quando um barco por ali passava.
Tempos depois, ao sentir que o amigo Del Rey se sentia solitário, vivendo longe de sua amada, achei por bem uni-los novamente.
Hoje eles vivem juntos. Felizes, quem sabe para sempre?
Ontem, quando em visita a minha rocinha prejuizenta, entregue em mãos de quem entende de vacas e suas crias, ao fazer uma faxina no canil onde moram ambos, soltei-os sob minha observação impertinente.
E como correram felizes um juntinho ao outro. Eram, em verdade, embora de raças distintas, nascidos um para o outro.
Ao fim da nossa estripulia, ao levar ambos para o canil onde moravam, notei a barriguinha da querida Laika um tanto abaulada.
Seria em verdade uma gravidez. Ou seria apenas um excesso de gordurinha localizada?
Depois de constatar que a minha Laika estava de fato prenha, não tive como não concluir.
Aquele amor, criado e renascido em cativeiro, resistiu a tudo.
A distância não os separou. A saudade aumentou. E daí, dentro de alguns dias, ou meses, vai nascer, daquela união idílica, uma penca de cachorrinhos. Cada um a cara dos pais.
Laika Rosa, e seu amado Del Rey, me provaram que o verdadeiro amor resiste a tudo. Mesmo aquele nascido e renascido em cativeiro.