Desde cedo, menino ainda, Zezinho sempre acalentou um sonho.
Na véspera de Natal aquele menino esperto, amado pelos coleguinhas, admirado por seu zelo com as pessoas, tinha um sonho.
Ser médico era a sua vocação.
Nascido na periferia de uma grande cidade, pobre de berço, rico de coração, começou os estudos numa escolinha longe de seu barraco.
Era preciso tomar três ou quatro conduções para chegar à escola.
De merendeira as costas lá ia ele, passo a passo, sempre apressado, para não perder a primeira aula da manhã. Era um garoto esforçado. Não perdia um só dia de escola. Tirava boas notas.
Aos menos de dez anos, completos naquele mês de dezembro, concluiu o segundo grau de sua formação.
Ele, ainda garoto, para completar os estudos tinha de se esforçar um cadinho mais. Nascido numa família modesta, pais separados, para continuar a estudar carecia de conseguir um emprego. Só que menores de idade não podiam ter uma ocupação de carteira assinada.
Mesmo assim Zezinho foi admitido numa padaria. Era o entregador do dia. Numa bicicletinha meio velinha rodava a cidade inteira. E fazia entregas por toda a cidade. O que recebia era pouco para continuar rumo ao sonho que acalentava.
Aos menos de dezesseis anos concluiu o primeiro degrau. Outros, mais difíceis, o esperavam.
Mesmo assim ele perseverava. A medicina era seu sonho. Um sonho quase impossível para jovens como ele. Nascido na pobreza quase extrema. Sem condições de pagar uma boa escola.
Aos menos de dezoito anos enfrentou o primeiro vestibular. Não teve sucesso na tentativa.
Passaram-se anos. Zezinho Benedito não desanimava.
Depois de tentar incontáveis vezes, enfim, aquele jovenzinho resolveu escolher outra carreira. Ser enfermeiro acabou por se tonar sua profissão.
Afinal era uma profissão afim. Cuidar dos pacientes era o seu pendor. E a enfermagem, carreira tão digna, seria a sua predestinação.
Acumulava plantões em três hospitais. Quase não tinha descanso. Corria de um a outro.
Sempre alegre, solicito, dedicado, chegava a casa sem tempo de pensar em si.
Aos vinte e oito anos resolveu se casar. Uma linda colega de trabalho acabou sendo sua parceira. Seria para uma vida inteira. Não fosse por aquela pandemia. Que dizimava vidas sem tempo de terminar. Zezinho Benedito trabalhava na linha de frente.
Enfrentava sem temor a tal doença fatídica. Desdobrava-se com louvável energia entre três hospitais.
Dava plantões não apenas na enfermaria. Como também nas unidades de tratamento intensivo. Quantas e quantas vezes assistiu a morte chegar. E nada podia fazer a não ser orar.
Num dia de sábado, era mês de dezembro, quase Natal, acordou sentindo falta de ar. Uma febre insipiente acabou por se instalar em seu corpo alquebrado.
De repente se viu internado. Foi-lhe diagnosticada a tal enfermidade da moda. Em poucos dias foi entubado. Seu estado piorou na véspera de Natal.
Em algumas semanas Zé Benedito foi a óbito. Ele morreu sorrindo. Certo da missão cumprida. Como ele morrem centenas de profissionais de saúde. Espalhados por este mundo afora.
Um dia me encontrei com ele. Ele caminhava apressado ladeira abaixo. Foi um mês antes de sua morte.
Perguntei-lhe para onde ia. E ele me respondeu, com um enorme sorriso nos lábios: “vou para mais um dia de trabalho. Entre tantos que ainda me esperam”.
Pena que não foram tantos dias assim. Tomara não dure tanto a tal pandemia. Estamos cansados de ouvir falar em óbitos.
Que no próximo ano consigamos por um ponto final nesta fatídica enfermidade. Não vejo a hora de tudo terminar.