Afinal é quase uma vida

Tudo começou com um namorico inocente.

Eu pra lá, ela no sentido contrário, passeando no rela do jardim.

Ambos éramos estudantes. Ela, mais jovem do que eu apenas três anos, nunca pensávamos que daquele entrecruzar de olhos, daquele roçar de mãos, hoje contaríamos com tantos anos de casados. Como o tempo passa. Como a vida nos leva a lugares antes inimagináveis.

Ainda me lembro, saudades me cavoucam o peito, de quando a gente frequentava aquele clube perto da casa onde cresci. A piscina menor ainda existe. Hoje aquecida. Era ali que descobri que pernas lindas ela tinha. Brincávamos de passar por entre as pernas em breves mergulhos. De vez em quando, sem querer querendo, passava as mãos desavisadas naquelas pernas morenas e lisas como um pêssego já maduro. Sem segundas intenções. Pelo menos eu dizia.

Ela estudava noutro colégio que não o meu. Era perto do cemitério. E eu a apanhava depois da aula num carrinho azul. Íamos a alguns lugares para perto da nossa cidade. Simplesmente para ficarmos a salvo de olhares malévolos. Éramos ainda inocentes. Quase.

Nosso namoro durou uma infinidade de anos. Dez, para ser exato. Não tenho a ousadia de dizer que nunca alguma desavença aconteceu entre nós dois. Foram muitas. Entre idas e vindas nosso amor aconteceu.

Depois, médico feito, em viagem a um país dalém mar, para completar os estudos na minha especialidade, quis o destino que nos separássemos. Ainda me lembro das lágrimas por ela derramadas. Como elas incendiaram-me o coração. Ainda apaixonado por aquela mocinha trabalhadora dela me separei. Queria dar um tempo pra mim. Mal sabia eu que seria ela minha predileta. A mulher com quem me casei. Foi a melhor escolha que já fiz.

Voltei da Espanha pensando apenas em trabalhar. Era cedo ainda para me casar. Mas, contrariando-me as previsões, depois de um assédio o qual não desejo nunca denunciar, acabamos juntos até hoje. Tomara para o resto de tempo que a vida me reserva.

Nosso casamento, faz tanto tempo, que perdi a conta de quantos anos foram. Nosso filho mais velho já nos deu um neto. Minha pequena jornalista se antecipou a ele. Agora já são três.

O que seria de mim, pobre sonhador, que não tem pelos números o mesmo amor que tem pelas letras, sem a tutela da minha Rosa Flor.

Considero-a não apenas o esteio onde amarro minha égua como a brisa que me refresca nos dias de calor. Ou o cobertor que me agasalha nos dias de frio. Sem ela não teria conquistado as glórias que amealhei durante os meus quase setenta anos de existência. Pois nunca fui bom com os negócios. Mal sei fazer contas. Confesso que sem a sua presença amiga não sei por que caminhos andaria. Onde estaria morando. Sou um poeta dependente da minha musa maior. Ela sempre foi a mulher dos meus sonhos. Por quem faria tudo de novo.

A data de hoje tem para nós um sabor especial. Num vinte e oito de janeiro, quão longe ele se vai, nos casamos. De um nos tomamos dois. Agora somos quatro. Acrescidos dos netos a conta vai a sete. Eu e ela, um casal de filhos, três netinhos lindos. Todos varões.

Contando as horas, dias, minutos e segundos, desde que nos conhecemos, a conta me faz perder o rumo. Não o prumo.

Afinal são quase quarenta anos de casados. Parece que foi ontem que nos conhecemos.

Caso tivesse de escolher qual pessoa me faria companhia por toda uma vida, seria ela mesma. Sem ela não sei se seria feliz. Como hoje me considero realizado.

Hoje é vinte e oito de janeiro. Dia de céu azul. O sol brilha forte. Não tanto quanto o brilho que se erradia da minha Rosa. Seu nome verdadeiro é Rosemirian. Mas prefiro o seu nome de flor. Aquele que tem enfeitado minha vida desde quando a conheci. Naquele rela do jardim. Num ano distante. Que o passado levou.

Neste dia tão lindo a ela os meus votos de vida longa. Bem sei o quanto ela é importante para a realização dos meus sonhos.

A família, resultado de nossa união, é a mola propulsora que me impulsiona sempre adiante.

Ao seu lado me fiz realizado. Você é a presença que me faz voltar ao passado. Naqueles verdes anos quando a conheci.

Hoje comemoramos mais um ano juntos. Se não me engano quase quarenta anos. Pode parecer pouco, em se tratando de uma vida inteira. Deixo a você a conta exata de quantos anos se passaram desde quando nos conhecemos. Você é especialista em numerais. Eu, pobre poeta, quase não me lembro mais.

Nesta data, para nós especial, em que fazemos mais um ano de casados, receba, minha esposa e companheira, o meu sincero abraço. Tomara continuemos juntos por toda a eternidade. Até que um dia, malfadada hora, alguém diga que nos é chegada a hora.

Mas estar ao seu lado tem valido a pena. Afinal, caso for contar os anos todos, é quase uma vida. Beira uma eternidade.

 

Deixe uma resposta