Foi-se vaca… E o pobre Seu Zito foi atrás

Amanheceu um dia quente. Antes das cinco da manhã a temperatura oscilava entre os trinta e cinco e quarenta graus.

Era quase impossível dormir naquele quartinho acanhado. Ali dentro o calor beirava a insanidade.

Seu Zito, caboclo acostumado às lidas da roça, passou a noite em claro. Sonhou que a chuva caiu de repente. Mas foi apenas um sonho e nada mais.

Abriu a janelinha de madeira tinta em azul claro, bastante desbotado. Por ali o sol entrou sem ser convidado. O calor aumentou ainda mais.

Com o corpo moído pela lida do dia anterior Seu Zito tomou uma ducha de água fria num chuveiro improvisado por um regador aposentado, o qual só permitia alguns segundos de derriçar daquele líquido precioso.  Que naquele verão parecia que faria secar a mina d’água, dela só restando um filetezinho, que mal dava para satisfazer as necessidades daquele pedaço de chão, tão pequeno que quando uma vaca deitava deixava o rabo de fora.

Mesmo assim Seu Zito era feliz e bem sabia.

Caso o levassem pra cidade seria a sua perdição. Ali nasceu. Naquele lugar cresceu. Deixou o umbigo enterrado. Mais tarde, assim que a morte chegasse, com certeza deixaria o coração.

Era um homem apaixonado por suas vacas. Diziam, nos arrabaldes, que um dos bezerrinhos, nascidos no mês passado era a sua cara. Até hoje se desconhece qualquer teoria de um cruzamento entre a espécie humana com outro da raça bovina. Dizem que os genes  são incompatíveis. Mas quem visse aquela cria logo imaginaria que Seu Zito era o pai do gabiruzinho macho.

A produção leiteira era a única ocupação do simpático Zito. Sempre de mãos estendidas a quem dele precisasse. Afável no trato, disposto, sempre contando piadas, a maior parte delas desprovidas de graça. Mas, como se deve sorrir para não perder um amigo, assim que eu lhe fazia uma visita passava horas e horas assistindo aquele homem bom a contar suas histórias.

Naquela manhã quente, sol a iluminar a terra com seus raios amarelos, Seu Zito foi direto ao curral. Nem ao menos teve tempo de tomar um café requentado. Estava atrasado para a primeira ordenha do dia.

Reunidas as vacas de leite, as solteiras ficavam em outro pasto, notou que faltava justamente a Braúna.  A melhor vaca do curral. A mesma com a qual diziam ter um caso de amor. Pois muitas vezes viam os dois aos beijos e abraços no meio de um matinho denso. A tal vaca mãe daquele bezerrinho muito parecido ao dono da roça.

Seu Zito procurou por mundos e fundos. Teve de adiar a ordenha. Sem a Braúna no plantel o leite fatalmente se reduziria a metade. Além do amor de verdade que sentia por aquela vaca mestiça. Mãe de segunda cria. Uma pintura de rês, com quatro tetas perfeitas, e um mojo de fazer inveja a muita moça na qual o cirurgião plástico colocou uma prótese de não se sabe de quantos mililitros de silicone puríssimo.

Seu Zito passou noites e dias intermináveis à caça da vaca querida. Percorreu a cavalo todas as roças ao derredor.  Ofereceu uma recompensa graúda a quem encontrasse a vaca extraviada. Até anúncio em jornal foi feito. Mas nada de a faltosa Braúna aparecer.

Um mês se passou. Seu Zito emagreceu a olhos vistos. Olheiras profundas marcavam-me o canto dos olhos.

Até que, numa manhã quente como no começo da história, Seu Zito teve um sonho. Sonhou que a vaca Braúna apareceu de cria nova. Uma linda bezerrinha acompanhava a mãe. Desta vez a safadinha não se parecia nada com o presumível pai. Seria filha de outro vizinho? Um tal de Nicanor. Um senhor arreliento. Que não se dava com ninguém?

Depois daquela traição imperdoável, que sonho estranho aquele, ainda bem que não passou de um sonho, Seu Zito acordou de bom humor.

Levantou-se num ímpeto. Foi ao curral esperando encontrar Braúna. Mas nada. Foi um sonho bom. E nada mais.

Na parte da tarde, já sem esperança de reencontrar a vaca de sua predileção, viu um amontoado de urubus avoando baixo.

Onde tem urubu presume-se que coexiste morte. E foi isso mesmo que aconteceu.

Depois de descer ladeira abaixo, segundo a direção dada pelos mensageiros da morte, Seu Zito encontrou a ossada da querida Braúna. Dela só restou aquele monte de ossos. Até mesmo o couro foi consumido.

Uma semana depois do ocorrido Seu Zito caiu doente. Nunca mais se levantou. Debaldes foram as tentativas de interná-lo num hospital. O pobre Zito ficou inconsolável. E terminou seus dias lastimando a morte da querida Braúna. Seu único amor de verdade.

Até hoje comentam, nas cercanias, que Seu Zito foi  sepultado ali mesmo. No mesmo local onde os restos mortais da vaca Braúna serviram de pasto aos urubus.

Foi-se a vaca. No mesmo rastro da saudade foi fincada uma cruz. Naquela lápide singela é possível encontrar-se  a inscrição: “ Foi-se a vaca… E o pobre Seu Zito foi atrás”.

E depois dizem que saudade não mata…

Deixe uma resposta