Antes sonhava muito. Hoje não sonho mais.
Não tenho explicação convincente. Para explicar a ausência de sonhos.
Talvez, jovenzinho ainda, inexperiente com a vida, sonhar fosse coisa de criança.
Já sonhei com Papai Noel. Com uma fada imaginária, que avoava em certos lugares, povoando-me os sonhos com ideias geniais. Sonhei com uma vida fictícia. Nela montava um cavalo baio. Que um dia me jogou ao chão. Mas assim que me levantei constatei desiludido, que tudo não passou de doce ilusão.
Sonhava sonhos irrealizáveis. Que um dia poderia voar. Em pouco tempo conclui que avoar é apenas para os pássaros. Não temos asas, a não ser as da nossa imaginação.
Sonhei, nos tempos idos, que todo mundo poderia ser feliz. Mais uma vez, a me ver longe na vida, descobri que nem sempre é assim.
Já sonhei sonhos coloridos. Já hoje meus sonhos, que não mais acontecem, caso fossem reais seriam apenas sonhos cinzentos. Sonhei, uma vez menino, que havia ganhado de presente uma bicicletinha de rodinhas azuis. Mas ela, em verdade foi dada de presente a uma pessoinha linda. Agora esta mesma bicicletinha eu mesmo presenteei ao meu primeiro neto. Aquela que fez parte do meu passado nem sei se existia de fato. Ou se foi mais um sonho meu.
Quem dera se eu ainda sonhasse. Os sonhos que sonhei antes não mais acontecem. Sucede que o menino peralta, sonhador em criança, se transformou num velho doutor. Preocupado com a saúde dos outros. Muitas vezes sem nada poder fazer para atenuar as dores. Amenizar dissabores. Mudar o caos em que se encontra a saúde pública de nosso país.
Já não sonho mais. Pouco durmo. Passo no leito algumas horas apenas. Considero a noite, para quem já viveu muito, um desperdício de tempo. Prefiro acordar com o nascer do sol. Hoje, janeiro quase em seus estertores finais, depois de uma noite quente, o sol brilha forte.
Já sonhei com um sol frio. Um sol verde. Ao acordar daquele sonho irreal concluí que mais uma noite insone me faz muito mal.
Sonhei sonhos irrealizáveis. Que no mundo em que vivemos todos eram iguais. Mas foi andando pelas ruas, vendo pessoas ao desabrigo, descobri a realidade do fosso social.
Sonhei, não sei se foi um sonho, ou uma constatação, que na vida tudo passa. Agora, prestes a completar setenta anos decidi que este sonho foi real.
Quem me dera ser dono dos meus sonhos. Se nem mesmo sonho. Vivo o presente imaginando como seria bom se a gente pudesse tornar os sonhos factíveis.
Transformar a miséria em opulência. Mudar a vida de quem nada tem. E inseri-los num mundo melhor. Quem me dera.
Caso fosse dono dos meus sonhos e em verdade sonhasse, logo cuidaria de atenuar a dor dos que sofrem. Para que eles em verdade sorrissem mais. Caso fosse dono dos meus sonhos, e pudesse transformá-los em fato real, não permitiria que o homem do campo sofresse com a estiagem. Como seria bom decidir quando vai chover. Quando o sol vai dormir. Quando a lua cheia se fizesse minguante.
Como seria gostoso ver todas as crianças na escola. E não perdessem nunca inocência tão preciosa. Neste mundo onde a ganância predomina. Os maus hábitos imperam.
Ah!, Se eu fosse dono dos meus sonhos. Em verdade gostaria de sonhar. Não permitiria jamais que pais morressem. Que a violência imperasse. Que amizade terminasse. Que se morresse por uma doença consumptiva e voraz.
Pena que não sou dono dos meus sonhos. Nem ao menos sonho mais.
A explicação para os sonhos que não mais acontecem talvez se deva ao passar dos anos. Já fui criança. Agora ela não mais existe.
Quem sabe, em outra vida, quando renascer de novo, volte a sonhar novamente.
Aí sim. Uma vez menino, jovenzinho imberbe, embevecido, os sonhos voltassem. Jamais abdicaria deles. Pena que nem sempre somos capazes de transformá-los em verdade.
Pois sonhos nada mais são do que sonhos. E eu já não sonho mais.