Ainda brota uma esperança

Tempos difíceis aqueles.

Nada dava certo para aquele jovenzinho nascido e criado na roça.

A chuva não caía na hora certa. O sol, escaldante, lambia tudo com sua língua de fogo.

Toninho era um garoto trabalhador. Estudioso, responsável, tudo fazia na intenção de ajudar ao pai. Mas, um dia a saúde do progenitor se mudou para um hospital. O pai, ainda jovem, foi acometido de pertinaz enfermidade. Caiu no leito e nunca mais se levantou. O pobre homem da roça sofria com uma dor intensa nas articulações. E como lhe era custoso caminhar. Em pouco menos de um ano, se tanto, Antenor teve de usar uma cadeira de rodas. Daí ao hospital não passaram mais de alguns meses.

Foi então que Toninho, aos menos de dezesseis anos, tomou a si a incumbência de cuidar da roça. Deixou a escola de lado. O sonho de se tornar doutor teve de ser postergado. Tudo que havia sonhado foi por água abaixo. Pois era ele o único varão daquela família que vivia da renda do leite. Uma irmã mais nova não seria capaz de substituir o pai.

Em pouco mais de dois anos o pai de Toninho foi fazer uma visita ao céu. Foi uma morte anunciada. Há tempos esperada. Mas, perder pai e mãe dói tanto ou mais de quando a gente leva uma espetada no peito, pressentindo a morte, na iminência de um infarto.

Os primeiros anos da falta do pai foram duros de aguentar. Toninho tinha de se desdobrar entre os estudos e as tarefas com a lida no campo. Mas, em pouco tempo acabou se dando melhor que o esperado. O leite aumentou. A renda da família cresceu a olhos vistos. Foi então que o jovem rapaz reiniciou os estudos. Um primo que morava perto foi incumbido de cuidar da propriedade na falta do rapazola que acabou se mudando para a cidade onde pensava continuar os estudos.

Tudo corria as mil maravilhas para a família de Toninho. Aos quase vinte anos completos o jovem estudante ingressou na faculdade. Era a realização de um sonho acalentado durante muitos anos. Quando o tempo permitia Toninha fazia uma visita rápida à família. E como se sentia feliz vendo tudo dar certo. A roça de milho, plantada no começo das águas, em pouco tempo estava em ponto de ser colhida. O primo era como se fosse um irmão mais velho. Responsável como fora o pai. Trabalhador como Toninho sempre foi.

Os negócios da família iam de bem a melhor. Logo a roça foi aumentada em alguns alqueires. Em pouco mais de três anos se transformou numa fazenda enorme. Um verdadeiro agro- negócio. Bem produtivo. Além da produção de leite uma plantação de soja se perdia a olhos vistos.

Pena que nem tudo que reluz se torna ouro.

Mercê da crise que o país atravessava a fazenda da família de Toninho um dia se viu em dificuldades. A produção de leite foi afetada pela longa estiagem. A pastaria secou. A chuva não veio. A safra de soja não foi como esperada. Os preços pagos pela mercadoria não compensavam o investimento feito nas máquinas agrícolas. Os juros cobrados pelo banco foram à estratosfera. A fazenda foi penhorada. Na intenção de pagar as dívidas.

Toninho, prestes a se graduar doutor, de longe assistia à bancarrota dos seus entes queridos. Mais uma vez teve de adiar seus sonhos de se tornar doutor. Teve de voltar ao lugar onde sempre viveu. Para tentar salvar pelo menos parte do seu patrimônio.

Junto ao primo arregaçou as mangas. Lançou-se ao trabalho com unhas e dentes. Em mais alguns anos tudo começou a mudar. Recomeçou quase do nada o que estava prestes a naufragar.

Em menos de três anos pagou, com juros e correção monetária, todas as dívidas feitas com a casa bancária. Resgatou as promissórias. E pagou o maquinário adquirido antes, necessário a plantação de soja.

Ao ver que tudo dava certo decidiu voltar à cidade. Despediu-se de todos prometendo voltar um dia com os sonhos concluídos. Faltavam-lhe poucos anos para se tornar médico. Afinal era isso com que sempre idealizou.

Em dois anos Toninho voltou à fazenda já titulado doutor. Mas faltava-lhe alguma coisa. Para que sua ambição se completasse. Gostaria de seguir uma especialidade cirúrgica. Daí, ao ver a família feliz com as graças conquistadas, depois de tantos percalços, Toninho novamente retornou à cidade. Mais cinco anos de estudos. Plantões intermináveis, noites insones, faziam parte da rotina dura de um médico recém-formado.

Sempre que o tempo permitia doutor Toninho voltava ao seu pedaço do paraíso. Era na roça que se sentia feliz. Para onde voltaria quando? Num futuro ainda distante.

Passaram-se uma infinidade de anos. A medicina cada vez mais absorvia o tempo do jovem doutor. Toninho tornou-se um cirurgião de fama reconhecida. Desdobrava-se entre o serviço público e uma clínica privada onde pacientes abastados confiavam-lhe a saúde.

Mas, o sonho de voltar a onde nasceu nunca deixou de acalentar a vida do doutor Antônio.

Foi isso que aconteceu. Depois de passados muitos anos. A vida simples na roça era com que sonhava o já consagrado esculápio. Aos quase cinquenta anos, longe de se aposentar, Doutor Antônio deixou tudo de lado. E retornou ao seu pedaço de chão. Na esperança de aquietar o espírito.

Numa manhã, bem cedo ainda, já bem andado em anos, Doutor Toninho passou à noite contando às estrelas.

De repente a chuva caiu. O sol acinzentou-se de repente. Foi uma aguaceira que alagou tudo ao derredor. A pastaria tintou-se de verde. A roça de milho, banhada pela chuva, acabou por seduzir os olhos do experiente doutor.

Foi neste momento idílico que doutor Antônio acabou por acordar de um sonho bom.

Depois de tantas agruras, de ver feitos e desfeitos sonhos, o já rodado profissional da medicina pensou com seus botões: “por mais que desilusões existam, por mais que a infelicidade teime em nos acompanhar, ainda resta uma esperança. De a vida brotar novamente. Por isso nunca abdique dos seus sonhos. Por mais que eles pareçam inalcançáveis. Persista sempre. Não esmoreça. Jamais”.

 

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