Quando vou chegar lá?

Antes do fim do ano passado, dezembro, quase Natal, inscrevi-me a uma corrida desafio, pela causa rotária, num percurso recorde para minhas pernas experimentadas.  Antes havia corrido cerca de quarenta e sete quilômetros. De minha casa a outra que tenho na represa de Camargos. A empreitada corredora durou mais ou menos sete longas horas. Estava só. Corria pela contramão. A fim de avistar os carros de frente. Para evitar ser atropelado por trás. De quando em vez tinha de pular ao ridículo acostamento. Naquela estradinha mal amada quantas vítimas ali se despediram da vida. Por culpa dela mesma. Carretas enormes colidiram. Na curva de um rio caudaloso que margeia o percurso. Quantos atropelamentos sucederam. Quanta saudade ficou nos que sobreviveram.

Já esta carreira espichada pra mim teve a distância marcada por quem nos guiou de cinquenta quilômetros exatos. De Ijaci a Ibituruna. Não foi marcado o tempo de cada um dos insanos corredores. No total de dez com minha pessoa considerada idosa. Mais de trintanos separavam a idade do mais velho da minha, exatos sessenta e sete, no presente momento.

Eles chegaram ao epílogo em cerca de sete horas. Já eu meia hora depois estava a um par de pernas da bandeirada final. Não tanto exausto como eles todos. Que correm muito mais velozes do que eu.

No momento quando passei por Bom Sucesso, no trevo de Ibituruna, me perguntava a cada minuto: “quando vou chegar lá”!

Já me fiz esta pergunta miríades de vezes. Da maioria já tive a resposta. Ínfima parte ainda não sei. Nem desejo saber.

Hoje coleciono mais de sessenta e sete anos. Amanhã, precisamente no dia sete do doze, passarei aos sessenta e oito. No ano vindouro quase chego aos setenta. Meu saudoso pai mal chegou aos setenta e sete. Pois, mal, digo eu, a partir dos setenta e cinco pertinaz enfermidade de seu corpo antes saudável dele se apoderou. Jogando-o ao leito, antessala da morte, onde permaneceu fazendo-nos a todos sofrer, padecendo de toda a desdita de infelicidades: escaras, incontinências esfincterianas várias, tendo de se alimentar por sondas, ser ligado ao oxigênio, emagreceu a costelas vistas, até morrer, tendo-me como testemunha de seu sofrer nos momentos finais.

Até quando irei resistir a tantas provações durante o tempo que me resta de vida? Quando e como vou chegar lá? Seriam mais anos que meu pai foi contemplado? Certo que ainda não tive o desprazer de ficar doente com gravidade. Mal procuro meus iguais. A não ser por alguma doencinha marota, com alguma enfermidade da epiderme clara, o fato de ter sido operado de embaçamento das minhas retinas, duas cachoeirinhas (cataratas) que foram removidas por um oftalmologista capacitado. De fimose quando ainda estudava medicina. Pelo saudoso doutor Silvio Menicucci. Outras menores foram passadas e se tornaram passado.

Estou prestes a ver concluído meu sonho rural. Uma vez provada a minha incapacidade de ser fazendeiro, mal entendo a razão de a vaca ser preta e o leite que deixa suas tetas ser branco, já que passei tanto as vacas quanto minha casa Amarelazul a quem entende das manhas das ruminantes, há cerca de um ano atrás estou terminando outra casa, a beira d’água, na represa do Funil, e ela nunca termina, mais uma vez me indago: quando irei chegar lá? Quando enfim poderei passar finais de semana lindos ali, no beira lago, curtindo vacas pastejando, cavalos escoiceando o ar, pássaros voando livres, insetos pirilampeando vagalumiando noctívagos iluminando as noites escuras, pessoas amigas, convidados a compartilharem meu sonho rural, numa prosa amistosa, contando causos da roça, ao redor do fogão a lenha, sonhando com a lua cheia e a bruxa a solta, vendo peixes mordiscarem-nos a isca, saltitando livres das redes, vacas paridas amoitando as crias na matinha fechada que comigo faz fronteiras.

Hoje este castelo de sonhos está prestes a passar de sonho a realidade palpável e concreta.

Duas, três vezes durante a semana tenho de ir até lá. A fim de ver o andamento das obras e levar algum material em falta.

Estamos em vinte e cinco de outubro. Agora, perto das oito, faz sol. O telhado da casa está por findar. O fogão a lenha já está pronto a nos agasalhar com suas achas crepitantes. A churrasqueira estava, no dia de ontem, na sua base estreita. Todas as demais dependências esperam a pintura em fase final. Duas demãos já foram dadas. A iluminação ainda carece da luz das estrelas e dos vagalumes, que piscam no ar. Dois banheiros de bom porte estão quase prontos a nos consolar no trono vaso sanitário, peça essencial em todas as casas. Falta ainda os arrabaldes. O píer, onde ainda não se atracou meu barco, o gramado, parte final, o calçamento que vai ser feito por quem entende do assunto.

Alguns detalhes de monta ainda irão dar seu grito de liberdade.

Aí, neste ponto de tangência, entre o real e o surreal, me pergunto: “quando vou chegar lá”?

 

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