Quantas vez cantei: “que saudade dos meus verdes vinte anos”. Que fossem quinze, dez, ou apenas um aninho e três meses, como meu querido Theo.
Ah!, por falar nele, quando saio da academia, depois de correr dez quilômetros na esteira, após meia hora de musculação e nadar dez piscinas, subo este morro empinado, chego a sua casa no terceiro andar, e fico a pajear menos de meia hora. O garotinho me da uma canseira tão grande, muito maior que correr cinquenta quilômetros, como aconteceu em época recente.
Certo que faz parte da idade certo enfado. Cansaço é rotina a que não nos acostumamos. Falta de fôlego monta-nos às costas. Perda da memória faz parte da velhice. Desvios do sexo devem ser entendidos como normais. Doenças várias se acostumam a fazer parte intrínseca de nós. Morrer sem acordar de repente sucede. Mas, amar sempre, ser condescendente com os senões da juventude, tolerar desaforos, cometer de quando em vez tais impropérios, se tornar babá de netos, ajudar aos filhos cangurus a saírem da bolsa que os pais trazem na algibeira, da mesma forma pode ser útil, na idade provecta.
Ser velho não é padecer no paraíso. Quando a saúde ainda assoprar em nossa direção, sim. Mas, ao sermos jogados a um leito macio, naquele colchão d’água para evitar escaras, estar ligado a aparelhos na intenção de alongar a vida, por favor, deixe-me partir. Caso não puder falar, devido a uma traqueostomia definitiva, ou a uma sonda nasogástrica inoportuna, como aprecio sentir o sabor dos alimentos, peço-lhes – desliguem as tais máquinas todas. E, caso eu mesmo assim continue a respirar pelos meus próprios alvéolos, sendo vítima de pneumonias idas e vindas, se vez em quando tiver de baixar a hospitais, mais uma vez imploro: deixem-me levitar rumo a algum lugar desconhecido. Com certeza ele vai ser muito melhor do que aqui. Nessa cama de hospital, de uma UTI isolado dos meus queridos, olhando o nada, o vazio de um mundo perdido.
Hoje cedo, descendo a rua neste dia vinte e três de outubro, dia quando despertou com o chão molhado de leve, graças a Deus choveu um cadinho ontem, de noite, tomara a chuva não nos deixe a seco, já com meu fone de ouvido ligado, deparei-me com um jovem amochilado, caminhando apressado em direção à escola verde e branca, onde passei anos e anos, aprendendo fazer o que não deveria, e outras coisas boas que os verdes anos me ensinaram.
Foi quando despluguei-me dos meus fones de ouvido. Ele usava um com fio.
Buli com o mesmo na pergunta corriqueira: “o que você vai ser daqui a alguns anos”?
O rapaz, claro como outro dia, me respondeu, um tanto surpreso com a questão a ele imposta, que ainda não decidira o que iria ser. Talvez engenheiro, médico, enfermeiro. Qualquer uma destas lhe serviria.
Foi quando a ele me apresentei. Com uma das minhas tantas caras. Velhas conhecidas.
Dentro da sua mochila pesada iam livros, cadernos, tablets, e outras mais.
Foi quando me imaginei na sua idade. Com um longo caminho a percorrer. Estudos, namoricos, desilusões, desacatos de pessoas mal educadas, ideias borradas pela lentidão dos passos do meu país amado.
Despedimo-nos como se fossemos velhos amigos. Conquanto eu seja velho e ele ainda jovem.
Seguimos cada um caminhos díspares. Eu, rumo a onde estou. Com um futuro estreito. E tristezas múltiplas. Enquanto ele seguia rumo a escola. Com enormes incertezas a incomodar- lhe o destino ainda confuso.
Foi quando o vi descendo rumo a um caminho velho conhecido. Logo ali adiante. Carregando aquela enorme mochila pesada. Levando às costas o fardo pesado da idade jovem.