Cauã de Souza, rapazinho especial de ladino, nascido e malcriado na roça, desde anos idos adorava catirar. Pra quem não conhece o termo catira deve aprender senão leva manta. Não a tal manta que agasalha no frio. E sim um negocinho, troca, escambo, permuta ou coisas e loisas equivalentes. E para convencer o menino, que falava escorreitamente quando queria, quando não usava cada palavra de causar medo em qualquer professor de português, era preciso ser bom de lábia. Pois senão ficava no preju, abreviação de prejuízo.
Era quase louro o jovenzinho. Olhos misturados ao verde maritaca e o azul do mar bravio. Pele clarinha. Embora adorasse se expor ao sol do meio dia, correndo a canelas finas pelas pradarias da rocinha alugada pelo avô trabalhador a um médico escritor da cidade perto da sua Ijaci amada.
Quando não havia aula pra onde nosso Cauãzinho ia? Pra roça da casa Amarelazul. De carona com o pedreiro verdureiro, ou na garupa da moto do mesmo avô idolatrado.
E quando nos encontrávamos por lá era pura festa. Cada um na sua idade. Eu aos sessenta e sete. Ele aos quase sete. Sessenta anos nos separavam. Conquanto pareciam menos.
Tudo que na roça do avô nascia era de propriedade do garotinho. Quando não era uma vaca inteira eram partes. E qual parte pertencia ao adorável menino? Exatamente a de mais valor. No caso das vacas a parte do meio para trás. A do mojo cheio de leite branco. Mesmo em se tratando de vaca preta.
Quiseram os anos que o garoto Cauã crescesse. Pena.
A roça arrendada pelo avozinho querido foi comprada ao urologista escritor. E no final das contas tudo aquilo, e mais um cadinho, acabou se tornado de posse do já adulto feito. Não a metade mais valorizada. E sim todo o quinhão de terra mais um grande naco do vizinho.
Aos quase cinquenta anos, já fazendeiro feito, o adulto Cauã foi agraciado com um filho varão, que por sua vez o brindou com um neto. Com os mesmos traços genéticos de quando era deste tamainho.
Cauã avô amava aquela gleba de terras de topografia bastante morrada. Era cada ladeira de fazer burro valente empinar a carroça assim que ela subisse o morro agudo. Principalmente em tempos de barro na estrada.
Para tirar o dono da roça, nas barbas de Ijaci, era um tormento danado. Já que ele amava as vacas e não tanto os animais que as possuem.
Ia à cidade com uma tristeza de fazer cego agarrar a bengala com a força de um tufão.
Mas, num sábado não tão distante, acontece de quebrar a roda da carreta do trator. Ferramenta importante tanto para o avô arrendador de antes como para o atual dono da fazenda Santa Bárbara.
E Cauã avô teve de tomar a direção do carro e rumar para a cidade de Lavras. Onde havia mais opções de implementos e preços mais convidativos que na sua querida Ijaci, para qualquer máquina agrícola. Fosse um trator ou uma singela roçadeira costal.
Dada a pressa do momento, já que a ordenha da tarde estava atrasada, e não havia vivalma para quebrar-lhe o galho, ao entrar numa esquina o já experimentado roceiro, mãos caludas e pele tostada de sol, não deu seta de mão nem de pisca-pisca do velho carro.
Incidente modesto. Que na roça não seria levado a serio. Mas na cidade o fato quase deu em ocorrência policial. Pela angrisia do dono do outro carro assustado e irritadiço.
Foi neste exato instante que o motorista, sentindo-se ofendido, abriu o vidro do carro, fez sinal de dedo em riste ao fazendeiro da roça, e a ele emitiu o seguinte palavreado chulo: “ôh da roça! Tira a carteira danado”!
No que o velho Cauã respondeu placidamente: “quibão que sou da roça. Meu muito obrigado”!