Ainda hoje olhei em direção daquela casa. Ela parecia chorar.
Janelas amarelecidas pelos anos. Carunchadas, desbotadas, anemiadas. As paredes careciam de reboco novo. Os tijolos de barro se deixavam ver. Entre eles buracos enormes. Frestas que nasceram ontem. Buracos enormes ameaçavam a estrutura já precária daquela morada antiga. A qualquer momento a casa toda viraria escombros. Adobe sobre adobe, pedras do alicerce raso insinuavam-se em meio ao terreno pedregoso onde foi edificada aquela casinha tosca. Um mato ralo tomava quase tudo ao derredor. Se fosse deixado crescer, em pouco tempo tudo viraria um matagal denso. Nada mais restando ali. Nem mesmo as memórias daquela casa antiga. Morada de gente da roça, que, uma vez não tantos anos fazem deixaram o campo na intenção de uma vida melhor na cidade.
Ainda me lembro de quando uma filha mais nova do casal que ali vivia desde tempos idos a mim respondeu, a uma questão que ela desferi, quando vinha da cidade, bem cedo e vi a moçoila alta, um pouco curvada sobre o pescoço esguio, andando sobre um salto alto, com extrema dificuldade. Foi quando a ela ofereci carona. Embora a mesma não indicasse nenhuma intenção de entrar em minha caminhoneta antiga. Que hoje decerto faz parte de um ferro velho carcomida pela ferrugem dos anos e pelos cupins comedores de ferro.
Dela escutei isso: “estou na cidade a procura de emprego. Aqui na roça mulher não tem futuro. Nem a ela acena um presente condizente a sua pessoa”. Tempos depois ela passou a ser minha secretária. Demonstrando a premissa que mulher é a ideal para nos ajudar na difícil arte de ser médico.
A casa, hoje vazia, fica bem pertinho de onde escrevo. Passei por ela agorinha mesmo. Ela foi do meu retireiro, não sei contar quantos foram. Foram vários.
Por último nela morou o pedreiro verdureiro que deu começo a esta minha casa beira lago. A ele devo muito. Mais que a metade do que foi feito. Nosso logro foi termos combinado a empreita de chave na porta. Ledo engano nosso. Ninguém consegue fazer tudo nos dias de hoje. Antes talvez pudessem. Dada a especialização crescente que todas as profissões estão submissas. Inclusive, talvez mais que todas, a medicina que exerço.
Agora, prestes a tornar realidade um sonho meu, esse quase se torna quase nunca, hoje, pela primeira vez passo a noite aqui, a casa antiga onde morava o pedreiro faz tudo está vazia.
Embora tentasse apenas consegui passar os olhos em sua fachada gasta, entrar um cadinho pela varanda dos fundos avistei a enorme horta de verduras entregue ao desmazelo, ninguém cuidava daquela morada adormecida na saudade de todos que por ali passaram.
A porta de ferro, por mim comprada anos antes, estava fechada a chaves. Não permitia ver o fogão a lenha, com sua trempe fumegante, com suas achas de lenha ainda crepitantes, o fogão a gás ao lado. Uma pequena pia para lavar louças, com sua pequena torneira de segunda. Mais ao fundo o pequeno cômodo de banhos.
Subindo dois ou três degraus creio ainda se deixa ver a espaçosa sala de visitas. Dois quartos de bom tamanho ladeiam a sala. Onde se pode assistir à televisão com certo conforto, meio de lado, assentado ou debruçado em dois sofás de cor marrom.
Desta sala a parte da frente da casa hoje vazia apenas um degrau curto existe ainda. Antes haviam lindas roseiras de rosas amarelas inseridas a um pequeno jardim. Bem menor que aqueloutro que irei fazer a frente de onde estou.
Inda pouco passei defronte a casa vazia. Ela pareceu me fazer um pedido. Quase uma súplica.
“Por favor, meu senhor. Peça alguém para morar dentro de mim. Sofro caso isso não for possível”.
Amanhã por certo passarei bem a frente dela. Fecharei os olhos e tornarei meus ouvidos moucos para não chorar de vez. Quanta insensatez…