O obituário do mês tem datas de personagens importantes que se foram ao além. Do ano, vai mais além.
Logo ao seu começo faleceu, de causas cardiovasculares, a querida Dona Piquita.
Seu Manoel teve fim depois de pertinaz enfermidade, causa mortis – câncer de próstata avançado. Doutor Ildeu, médico conceituado, nos deixou órfãos de seu desvelo por entrar num lugar errado na hora errada. Foi vítima de um tiro certeiro, uma bala perdida, que entrou-lhe tórax adentro, transfixou-lhe os dois pulmões indo parar no ventrículo esquerdo: causa mortal choque hipovolêmico. Seguido de parada cardio-circulatória irreversível, depois de se verem vãs todas as manobras ressuscitadoras. Feitas por uma equipe de conduta ilibada do SAMU.
Dia último passado veio a falecer dona Maria. Uma pobre dona de casa. Que acordava com o cantar do galo. Vivia pelo filho drogado. Que a ela dava tantas preocupações, tantas, que, no dia de ontem a pobre teve seu coração generoso vítima de infarto fulminante. Mais uma enterrada depois de um velório concorrido. Ao qual acorreram não sei quantos bandidos. Comparsas vivos do seu filho. Que inda hoje comercializa drogas várias.
Trasanteontem morreu, de causa ignorada, mais uma mãe de família, coitada. Na hora exata que lavava roupa perto da janela da área envidraçada, a lavanderia, cantando o hino nacional, segundo o depoimento de uma vizinha. Jesuína, era esse seu nome de batismo, caiu pra trás após uma facada nas costas deferida pelo marido cruel. O mesmo cuja pessoa ruim teve vários BOs feitos antes. E nada foi feito para proteger a pobre, embora o assassino estivesse impedido de se aproximar um palmo de distância da vitimada senhora tão amada. Não por ele, e sim pelos filhos órfãos que ficaram de uma hora pra outra sem a presença querida da mãe.
Num dia destes, não sei informar a exatidão qual deles foi, outra nota de falecimento foi deixada no quadro da portaria do meu condomínio de verdes tons da mesma cor: “morreu um dos gatos do seu João Amante dos Bichanos”. A polícia compareceu com uma enorme guarnição aquele logradouro tão pacífico. Pois a suspeita que o gato morto tenha sido envenenado, a exemplo de outros mais que morreram na semana passada. A matança dever continuar. Pois nada mais peçonhento que ouvir a gataiada ronronar durante estas noites quentes por que passamos. Época de acasalamento.
A mais recente nota de obituário foi por mim enxergada uma hora antes de agora mesmo. Dia ensolarado de vinte de outubro. Uma sexta-feira que promete muito sol e calor. Próprio a nadar em piscinas não tão poluídas como a língua de certas pessoas que se dizem amigas. No entanto elas são amigas da onça parda.
Ia eu perambulando pela rua, no sentido de cima para baixo, ou ao revés, como sempre faço, duas ou três vezes ao dia, quando, entre uma padaria onde antes tomava meu desjejum frugal, e algumas lojinhas variadas, duas portas, seriam em verdade portas de vidro temperado, os tais blindex, meus olhos avistadores viram, apatetados, um cartaz de “passa-se o ponto”.
A loja de bom gosto, não tão antiga quanto a árvore símbolo de nossa terra, a vetusta Tipuana, estava prestes a fechar as portas. Foi lá que tentei passar adiante livros meus. Debaldes foram as tentativas. Ainda recente tenho quatro exemplares de meu “Mugido de Vaca e Cheiro de Curral” a venda lá.
Antes era chamada de Livraria Nobel. Agora creio, se não me logro, ela se chamava Via Cultural.
Quando vi a loja livresca fechar as portas quase me debrucei sobre a estante de livros tantos. Só não aconteceu pois alguma alma caridosa me amparou. Ignoro quem foi.
Ao final do meu texto de hoje deixo aqui mais uma nota de falecimento, luto fechado. Bem sei que não é a primeira nem será a derradeira livraria que sucumbe a falta de cultura de nosso inculto rincão de nascimento. Apregoado por um ex-presidente que alardeia ainda a incultura. Pena. Tomara que ele seja impedido de se candidatar novamente.
Oxalá eu não esteja aqui para presenciar mais lojas como estas fechando as portas. Que meus olhos se fechem antes.