De que vale?

Hoje desci a rua mais cedo que o costume. Eram seis da manhã. Do dia de nós mesmos. Dia dos profissionais de saúde que no passado tiveram mais glamour.

Fazia frio. Para os padrões de uma primavera que começou com cheiro de verão. Ainda sem chuva, seca, abafada e ensolarada. Nenhuminho sinal de chuva a despencar do alto. Poucas nuvens brancas se mostravam enfiadas ao manto azul. E como a chuva é aguardada avidamente nos ares do campo. A pastaria encontra-se esmaecida. O capinzal, mãos postas ao céu, pede clemência ao Deus dos animais, que é o mesmo dos humanos, para que ele, na sua bondade infinita,  mande seu discípulo, São Pedro, o homem bom que tem a guarda do cadeado que tranca a torneira das águas, que, por favor, seja caridoso, e ajude ao homem da roça a não ter as suas vacas definhando famintas, sua roça de milho secando, as maritacas faladeiras chupando as derradeiras jabuticabas, aquelas mesmas que o garoto que morava em mim apreciava tanto.

De nada valeu acordar tão cedo. Como rotina aqui chego bem antes das oito na intenção de escrever. E quando meu birrento computador se recusa a mostrar a face iluminada, a abrir o programa do Word, não sou ninguém. Um reles graveto seco prestes a se tornar cinzas. E nada mais.

Desde as seis ao momento de agora, oito e quarente inexatos minutos, não consegui fazer nada de útil. Até meu face relutou em se deixar ver. Foi preciso recorrer a uma afável entendedora de informática para que ela, a danada da rede social, tão e tanto usada, voltasse ao que era dantes. E de novo me colocasse em contato com tantos amigos tantos, cada dia mais e mais deles, virtualmente plugados a minha imagem, pena que somente pela internet. Já que não posso estreitar-lhes os bracos, dar-lhes um carinhoso abraço, um beijo amistoso na face dos amigos faceanos.

De nada valeu acordar tão temprano. De nada vale ser tão madrugão. Se sou dependente de máquinas modernas, que travam quando mais preciso delas. E eu, com meus conhecimentos tacanhos em sua arte, mal consigo pregar pregos nas paredes, quem sou eu para consertar computadores, se nem sei ler manuais, como consigo entender leituras tidas como complexas, por muitos leitores que não compreendem palavras minhas, em crônicas matutinas.

De que vale um homem solitário sem uma parceira? Sem elas nada sou. Um zero a esquerda de um numeral assaz complicado? Como apregoei antes sou amável com as letras, e posso dizer, com segurança, que os números a mim causam indigestão.

Hoje, agora são quase nove horas, saio as nove e meia para tomar a lotação em outra direção, parto para exercitar o urologista que inda sou, embora o escritor tente tomar o seu lugar, e, hoje, dezoito de outubro, dia nosso, por que não nos darmos um feriado a mais? Seria direito tal cortesia. Já que a maior parte dos profissionais, técnicos da informática, se dão ao direito de atender ao celular apenas a partir das oito e meia, quando atendem. E dizem do outro lado da linha, com voz de sono, que irão agendar a visitinha apenas daqui a uma semana inteira. Pois suas agendas estão lotadas. Conquanto as nossas ficam vazias…

De nada vale a pressa do afogadilho. Se a gente não pode, nem que tentemos, viver aos nossos cuidados, tão somente. Ninguém é uma ilha. Isolada no meio de um oceano enorme. Com apenas um coqueiro do lado. Sem nenhumalma viva a compartilhar-nos o ostracismo.

De que valeu a pressa, neste dia dezoito de outubro, dia dedicado ao médico, chegar aqui, no meu consultório feericamente iluminado pela luz do sol, se as máquinas travaram, meu face resmungão não abriu, e apenas agora, meia hora atrás, consegui escrever um tiquinho apenas, isso que inda pouco vocês passarinharam os olhos.

E se apreciaram, tomara, o meu título: “ de que vale”, será que em verdade valeu?

 

 

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