Desidérios

Poderia começar esta crônica com – Ah se eu pudesse…

Mas a este título já usado preferi esse, que encima meu texto.

Desidério, palavra de origem italiana, implica desejo, vontade, intenção, e símiles.

Se eu pudesse, e meu dinheiro desse, compraria o sol, a lua, as estrelas, e oferecia todos eles a alguns que amo tanto. Os primeiros não mais fazem parte deste mundo terreno: meus pais, aparentados perto que já morreram, meus dois irmãos ainda perto de mim: um homem e uma menina, do alto dos seus mais de cinquenta anos, de nome Rosinha. A seguir listo: minha esposa, meus dois filhos, e, por último, sem desacreditar dos demais, meu netinho primeiro, que logo venha o segundo.

Se eu pudesse, hoje, dezessete de outubro, ao acordar junto às galinhas que nalgum terreiro cacarejam, jogar meu computador pela janela, pois ele demorou quase uma hora inteira para acordar, e aqui fiquei sonhando em não saber escrever, a espera do primeiro consultante do dia aparecer, assim o faria. E ficaria olhando, daqui de cima, a máquina pseudo- inteligente despencar gradativamente, velozmente, em direção ao chão duro do asfalto, esborrachar por inteiro, não restando um único parafuso, uma porquinha que seja, tudo esparramado sem chance de remontar as sobras, mesmo em mãos de quem entende do assunto.

Ao sair do condomínio onde moro, era bem antes das seis da manhã, parecia que iria chover, de repente tudo voltou a sorrir em minha direção, avistei as arvorezinhas de murtas voltarem a florir.

Eram florzinhas tímidas. Que ainda não atapetavam o chão. Parecendo flocos de neve fina, uma aqui, outra acolá, que não dariam trabalho ao varredor de plantão, o também jardineiro resmungão, o caladão José Carlos, que um dia parece de bem com a vida, noutro penso que a mesma vida linda a ele pesa o peso do mundo inteiro. Hoje o Zé parecia estar de mal com a tudo em volta. Pois ele se esquivou ao meu amistoso afago de mão.

Se eu pudesse, nesta altura dos meus sessenta e sete anos, ainda na ativa, tanto como profissional da saúde, quanto como escritor mais e mais inspirado, desceria na escada da idade anos e anos mais. Não retornaria a idade do meu Theozinho levado. E sim alguns anos adiante, no ponto de arrumar namorada. Na verdice dos meus quinze anos.

E, caso não conseguisse arranjar alguminha no rela do jardim, onde consegui despetalar minha Rosa, creio que não passaria ao time do lado. Embora nunca depreciasse os gays e congêneres, cada com sua preferência sexual.

Mais um desidério me assedia nesta altura ou planura dos meus enta anos. Já que ser menino não é possível, que pelo menos não seja um velho ranzinza. Desde que meu computador não falhe a hora de ser ligado de novo. Como aconteceu no dia de hoje.

Ah se eu pudesse, tantos se eu conseguisse, despejar sobre a terra seca uma chuva mansinha, para ajudar no crescimento dos pezinhos de milho novinhos, e ajudarem-nos a crescer sadiamente, produzir espigas graúdas, que encheriam silos enormes, na intenção de fazer sorrirem as vacas, e seu bezerros sempre famintos.

Na mesma roça encantada, cheia de coisas lindas de viver, não morreria jamais uma única criação. Como antes acontecia na minha fazendola, antes de alugá-la a quem vive ali, a cuidar dos nascidos, dos mais crescidos, com mãos e olhos sábios de quem ama bichos e não tanto os animais que pensam ser seus donos.

Já que não posso viver no mato, entre animais e pássaros, cantantes ou não, sou homem urbano com alma campesina, aqui na cidade tenho meu ganha pão, hoje como está difícil a luta pela sobrevivência, faço do meu cotidiano um computador escrevinhador. Sem ele não sonho, não vivo, não escrevo.

E como tenho desidérios tantos. Não vou continuar a fazer listras enormes. Pois podem pensar que fiquei insano.

Para terminar minha crônica de hoje cedo, ela tardou não por culpa minha, e sim dado ao sono do computador que teimou em acordar neste horário novo, enviou-me mensagens a mim ininteligíveis, não sei quantas e quantas foram, até que pegou no tranco. Graças ao liga e desliga que tive a ideia de por em prática.

Quando saía do meu condomínio lindo, ao ver as arvorezinhas de Murtas começando a florescer, veio-me ao pensamento isso: que tal renascer de novo? Como as flores da murta que vão e vêem?

De fato é um desidério que me convém.

 

 

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