Náufrago de um sonho perdido

A crise solta fumaça pelas ventas no país em que vivemos. Quem abre um negócio, como última esperança, desespera-se ao ver as vultosas exigências para que a tal portinhola mantenha-se de portas abertas. Quem procura colocação no balcão dos desempregados, depois de enfrentar longas filas na porta dos bancos, para sacar as migalhas advindas do seguro desemprego, mais uma vez tem de suportar um batalhão de cobradores à porta de sua humilde residência, pois, como pai de família, seu arrimo, paga primeiro a escola do filho, pra não ser impedido de entrar na sala, a conta de luz para não ficar no apagão, a taxa do gás para não ficar com a panela fria na trempe do fogão, o aluguel atrasado há mais de três meses, logo recebe a visita do oficial de justiça com a ordem assinada pelo juiz para viver debaixo do viaduto, sem salvo conduto a um naco de felicidade, ela se fez ausente do seu lar desde tempos que longe se vão.

As perspectivas de mudanças do status quo pararam no ar. De forma díspare como o balé das flores do ipê amarelo que rodopiam ainda vivas do alto da ponta dos galhos, caídas na relva de um verde esmaecido, mas logo ele de novo tinta-se de verde de doer nos olhos, nas próximas chuvas que logo virão.

Ao descer a rua, na manhã de hoje, vinte e quatro de agosto, estava o céu cinzento, bastante frio o ar que ainda se deixa respirar, à porta de um colégio estadual, por onde sempre passo, cumprimento os alunos madrugões, com meu fone de ouvido ligado quase não lhes ouço os bons dias, mesmo assim retribuo com uma boa sorte nos estudos, e nas futuras profissões a serem elegidas mais tarde, e parto rumo a onde estou, antes das sete da manhã, a espera, nesta confortável poltrona giratória acolher o médico que passa a atender depois das oito. Até lá fecho a porta, não atendo ao telefone, para não perder a inspiração que minha falta de razão dita.

Dias antes passei pelo mesmo portão daquele colégio tutelado pelo Estado de Minas Gerais.

Ali, perto daquele pórtico azul desbotado, por onde entro pensando estar ainda aluno de curso mediano, na intenção de voltar no tempo, há meses dei com um deles com ares de inteligente, usando óculos de lentes grossas, lendo uma apostila de uma matéria a qual não tive a oportunidade de comprovar qual era ela.

Parei perto dele e desferi, à queima surpresa, a notória pergunta que sempre faço: “por qual caminho você deseja ir adiante”?

Ele, entre sobressalto e olhinhos inquiridores, respondeu-me que gostaria de estudar mais anos, enveredar-se pelas ciências exatas, quiçá tornar-se engenheiro de minas ou aventurar-se no meio do oceano para trabalhar numa plataforma de perfuração de petróleo, na insegurança de tal missão assaz importante na confecção da gasolina e seus subprodutos, essencias ao nosso modernismo que anda quase sempre pelas estradas asfaltentas, deixando os comboios de locomotivas paradas nas estações, a verem a ferrugem tomar conta dos seus vagões.

Passaram anos sem que eu tivesse notícias do tal jovenzinho aplicado, bom aluno que sempre foi.

Talvez fossem mais de vinte. Senão trinta, não sou bom em contar tempo, bem como fazer contas não me atrevo.

Foi quanto, mês passado, julho desbotado, uma enorme crise não apenas de emprego, de ganhar dinheiro, lojas fechavam as portas a cada esquina, escritórios de autônomos se transformaram em bancas onde se vendiam churrasquinhos feitos na hora, profissionais liberais se viram de repente vendedores ambulantes, vendendo CDs pelos passeios, grave crise financeira e moral passou a agitar a bandeira verde amarela, mastros a meio pau, nas ruas multidões ameaçavam um paro geral.

Foi quando, numa esquina suja, entulhada de pessoas tentando se dar bem na vida, profissionais doutores, mestres com cursos no exterior, transformados em camelôs. Entre eles o tal rapaz antes visto à porta daquela escola próxima de aqui.

Como estava de mau aspecto o rapazola. Só depois de uma conversa esclarecedora vim a saber que o próprio estava desempregado, depois de lutar anos dobrados para se tornar advogado, e como era ético e bem formado, ajuntado o fato de não saber cobrar o que valia a causa abraçada, porta de cadeia não lhe fazia a cabeça, acabou entre os outros, naquela esquina onde se vendia inclusive drogas, passando agruras nunca antes vistas em seu curto currículo.  Resumido a poucas laudas, se não me engano eram três.

Antes de me despedir do jovem profissional das leis, e ele em verdade sabia de cor e de costas todos os artigos do código penal, confesso-me penalizado pelo estado de abandono e de penúria que o pobre se encontrava, foi que me passou pelas ideais o título dado ao texto de hoje – náufrago de um sonho perdido. E, nunca mais vai ser achado…

 

 

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