Quase não sonho. O fato é que durmo menos do que as necessidades do corpo pedem. Considero um desperdício passar oito horas na cama, a não ser que o sexo fale bem alto, grite de prazer. Mas, ficar longas horas ali, mesmo que numa cama macia, colchão bem ao estilo que os especialistas em sono preconizam, uma vez acordado, sem nada a fazer a não ser pensar em tudo que o dia que amanhece sorridente suplica, por que não saltar da cama, deixá-la descansar do amasso grudento que nosso corpo deixou em seus lençóis não tão perfumados como o perfume das flores do assa-peixe, suor cheira a tudo, menos almíscar ou jasmim, lavar o rosto com aspecto de coisa velha, escovar os dentes freneticamente, pentear o que nos restou dos cabelos, se possível tomar uma ducha morna, um café da manhã bem gostoso como aquele que nossa avozinha fazia, e sair a caminhar pelas ruas em direção a onde estou agora, antes, bem antes das sete, a fim de escrever o que a inspiração dita?
É isso o que tenho feito há tempos antes do dia de hoje, dezoito de agosto. Manhã estrepitosamente apetitosa, céu cinzento, mais tarde mais chuva despenca do alto, a fim de alegrar quem vive na roça.
A cidade que vejo acordar no apagar das suas luzes a vejo com olhos de quem a ama tanto. Embora tenham dito que sou um homem urbano com a alma na roça, é na cidade que ganho meu pão, vi crescer meus filhos, nascer meu neto, alegrar-me com seus passinhos incertos, e ando como cachorro vadio. Talvez por isso observo, olhos inquiridores, todos os seus defeitos e bem vislumbro-lhe as virtudes.
A minha Lavras amada, salvemo-la das suas mazelas, tem problemas complicados de saná-los e coisas e loisas boas por todas as sua latitudes e lonjuras.
A situação geográfica não poderia ser melhor. A meio do caminho entre São Paulo e a linda capital das Gerais, perto o suficiente para, aos finais de semana, encantarmo-nos com as ondas do mar, dar uma pisadinha nas areias macias de Cabo Frio ou Guarapari, e mais longe ainda, como vou na próxima semana, pelas asas seguras da Panair ( nem sei se ainda existe tal companhia de aviação), à capital do Ceará para curtir um congresso a mais de Urologia.
O clima daqui é entre ameno e mais do que isso. As mulheres que pelas calçadas encantam-nos com sua beleza é o máximo do desfrute. Sobremodo a quem deixa o carro estacionado defronte a casa, como eu.
A educação não enseja maiores explicações. Nunca seria demais lembrar o epíteto de nossa cidade, dos Ipês e das Escolas. No esporte o futebol anda a chuteiras dependuradas. Mas os moleques do LTC têm dado o seu recado no futsal. A parte agrícola reponde pelo café. Apesar de a maior produção fica pertinho de aqui, seja na vizinha Nepomuceno e na beata Três Pontas, terra do padre Vitor. A pecuária leiteira, da qual sou fã de tetas cheias, deixa a desejar. Poderia ser maior.
Lavras das Gerais poderia ser a cidade dos meus devaneios, sem senões.
Aquela com a qual sonho acordado teria de ter menos lixo deitado no chão. Menos cães vadios latindo pelas ruas. Não que tenham de ser aniquilados, e sim bem tratados, como as suas fidelidades merecem. Num espaço especial. Prestigiem e ajudem o canil municipal. Ele merece o abraço que os voluntários em seus cães hóspedes afagam, quantos veículos estacionados perto daquele portão mostram a imensa legião de pessoas bondosas existentes entre nós. E quanto aos passeios, estreitos em algumas ruas, impeçam que transeuntes desavisados usem essas passarelas, não de desfile de moda e sim de ir e vir, para prosas amenas, ou ali fincarem seus negócios, a exemplo ambulantes vários, lanchonetes vendedoras de churrasquinhos deliciosos, as calçadas não foram feitas para esta destinação.
Amo Lavras pela florada exibicionista dos ipês que inda agora desabrocharam. Amo a minha cidade, ótima madrasta, que por vezes enxota seus filhos legítimos, mas o que fazer nesse metier? Adoro seu transporte coletivo, do qual sou usuário as quartas e quintas-feiras, quando me desloco até o ambulatório médico de especialidade, a fim de exercitar, com restrições, o urologista que ainda mora em mim. Aplaudo as iniciativas de boa índole que a atual administração tem imprimido ao pátio municipal, remodelando praças abandonadas, cuidando das ruas antes cheias de buracos, deixando o asfalto, já gasto pelos anos, como eu mesmo por vezes me sinto, tinto em faixas amarelas e brancas, feitas com a participação popular, bem como o atendimento mais e mais moderno que a prefeitura tem procurado oferecer em sua casa da Avenida Perimetral.
Da mesma forma bato palmas quando nosso alcaide impediu o estacionamento numa avenida de comércio frenético onde o metro quadrado é o mais valorizado para estabelecimentos comerciais. E idem fecho a questão na punição, no local mais dolorido do corpo humano, o bolso, quando proprietários não constroem passeios no entorno dos seus lotes vazios, e não cuidam da limpeza dos mesmos. Ainda sugiro, quando algum passeador de cães, com seus pets sujões, não levam a tal sacolinha coletora de cacas, punam-no da mesma maneira, onde lhe dói mais, não no coração, ou na pele, ou nas partes genitais. Uma multa pesada aplicada por certo ele não vai repetir a omissão.
Medidas impopulares são necessárias, pois junto a elas, dirigidas à coletividade, não ao cidadão comum, devem ser impetradas sem que o eco dissonante arranhe a popularidade do poder executor.
Lavras tem tudo para ser a cidade dos meus melhores devaneios. Não apenas meus como de todos os lavreanos.
Bastam alguns ajustezinhos bonsais. Pequeninas coisiquinhas, diminutas. Mas de excepcional alvitre.