O homem que não envelhecia

Quantas e tantas vezes olhei pra trás? Na intenção puramente de vislumbrar como fui, o que fui, sem poder antever como seria, na idade de agora, aos sessenta e sete anos completos. Prestes a entrar idade nova.

O passado me corteja bem como o futuro não me diz respeito. O presente simplesmente olho sem saber a hora do dia que agora mostra o pequeno relógio do meu computador que sofre deveras de tanto atender meus dedos no “tlec tlec” do seu teclado negro, de letras brancas, macio como um tapete aveludado, onde brinco com meu neto instantes mágicos nas caídas das tardes depois da academia.

Dizem milhares que faz mal a saúde olhar tanto pro lado do que foi despido do hoje. Que a gente deve encarar firmemente o que vem pela frente. Viver intensamente o presente, que em verdade é um presente de Deus.

E sobre envelhecer condignamente tenho escrito mais que o preciso. Quantas vezes citei a infância, meus bons tempos de criança, os verdes anos passados, naquele uniforme verde mata, quando ali deixei minha primeira namorada, por certa ela coleciona rugas, já se tornou avó, como eu.

O poeta Cassimiro de Abreu, em seus “Oito Anos” já foi lembrado em tantas crônicas minhas, principalmente aquela que fala da infância: “ai que saudade eu tenho, da aurora da minha vida, da minha infância perdida, que os anos não trazem mais”.

Ficar velho, como um sapato gasto, furado na sola de couro fino, cadarços rotos por mordida de rato, é fato inconteste de nossa realidade.

E caso acontecesse uma coisa imponderavelmente saborosa, pensava eu, de um dia, um de nós se olhasse no espelho, olhos enxergadores não factíveis de ficção, e se visse, aos mais de setenta, com o semblante de trintanos, como me sentiria? E se a gente não envelhecesse? Ficasse fincado aos vinte anos? Ou menos, quiçá aos quinze?

Tudo ao nosso derredor continuaria como dantes. O relógio girando, as pessoas colecionando anos e desenganos. As rugas e as cãs chegando. Os músculos pedindo trégua à academia que curto tanto. O desejo por sexo clamando por exames para medir a testosterona. A anterior beleza que ontem observei numa modelo, numa prova de roupas, uma linda coleção de verão feita por minha estilista esposa, paulatinamente ser metamorfoseada numa idosa sem as curvas sinuosas que se desenhavam sob aqueles modelos perfeitos de raro brilho, pedrarias bordadas por mãos extremamente habilidosas.

E a gente, com a idade para sermos avós, com o mesmo semblante de um jovenzinho no esplendor imberbe dos seus quinze anos? Como seria? Não envelhecer?

Ontem passei por uma carpintaria de um senhor simpático, na cidade vizinha de Ijaci. Voltava da minha roça. O jovem que construía uma cerca de tela de arame grosso para proteger minha casa nova de quem a ela chegasse por água, já que por terra era mais protegida, encomendou-me tábuas na intenção de fazer formas para servirem de mourões esticadores.

Após curta espera para concretizar a encomenda fui atendido por um dos sócios da carpintaria.

Proseamos prosa amistosa e curta. Falamos das vezes que por ali passei. Sobre os livros que já lancei. E das etapas várias de chegar, finalmente, ao livro pronto. E da satisfação de ter entre as mãos ansiosas admirando a obra concluída, se passaram senões ou não, se a capa ficou bonita, se as orelhas ficaram a gosto, se nossa fotografia condisse com a realidade da nossa idade de agora. Enfim se o livro, esse vai ser meu décimo quinto, vai ser apreciado pelos leitores, ou será outro encalhado num mar de livros tantos que o brasileiro, em sua maioria, faz justiça a fama de não ter o costume de ler. Como tem sido difícil vender livros por aí e por aqui!

Antes da minha partida, de volta a roça, com o maço de tábuas de forma amarrado dentro da caçamba da minha caminhoneta sofredora e empoeirada, tomara chova logo, o senhor, um dos proprietários da serraria, velho conhecido, com seus cabelos todos tintos de branco, contornando o queixo um cavanhaque da mesma cor do algodão em flocos, despediu-se de mim com uma fala que me fez pensar: “Doutor Paulo Rodarte. O senhor não envelhece. Continua o mesmo de anos e anos atrás”.

Não cheguei a conclusão se a sua fala seria um encômio ou não. E se aquilo tudo, fruto de simpatia recíproca, entre eu e ele, não seria meramente uma tentativa de me agradar na intenção de que eu voltasse e comprasse mais artigos da serraria ijaciense? Sim ou não, deixo a vocês a resposta.

Em verdade pareço ter os anos que tenho? Sessenta e sete?

E, outra dúvida me assalta. Se eu não envelhecesse, deveras, vendo tudo ao derredor mudar, radicalmente, como me sentiria? Bem ou mal. Infelizmente a resposta não me veio. Nem hoje, nem daqui a muitos anos.

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