Arauta do fim do mundo

Isso de vaticinar o final dos tempos nunca me fez bem a saúde. Tudo por um singelo motivo. Finitos somos nós em nosso corpo que logo apodrece, uns mais cedo, outros mais tardiamente.

Já o planeta onde vivemos, creio piamente em vida em outros semelhantes, por que razão seriamos nós os únicos felizardos a desfrutar a beleza do por do sol, do amanhecer no sertão, das ondas do mar abraçando a areia da praia montadas em espumas brancas, as lindas mulheres brasileiras desfilando seus traseiros incomparáveis pelas ruas, o canto da cotovia feliz por chegar a primavera, o trinado alegre das maritacas ao sugarem o sumo das jabuticabas maduras, a mãe recente lamber a cria de pouco despejada de sua cavidade uterina, e tantas coisas e loisas mais, que não caberia a mim descrevê-las todas, nem uma vida inteira seria capaz de tamanho atrevimento.

Um dia nós iremos acabar. Uns terão as cinzas esparramadas por cima do cume de uma montanha. Os alpinistas sonham com tal epílogo. Já outros, mais comuns, irão assistir, seria possível?, o capim nascer pela raiz, a escuridão da terra onde foram sepultos, a falta de ar naquela cova rasa, onde parentes irão comparecer chorosos em dias especiais, como o de finados se apresenta ao começo de novembro.

Já o planeta terra???

Conheço uma senhorinha, já vivida em anos, creio que aos cinquenta e mais, ainda jovem, notável enfermeira padrão, reconhecida como excelente profissional de saúde, calma, sempre falando em voz baixa, um par de óculos claros enfeita-lhe o nariz diminuto, que, num fim de manhã, em nossa conversa de dois dias por semana, elazinha apregoou-me entre lágrimas o fim do mundo. E me pediu, pelo whatsAp, encaminhar-me mensagens do livro santo em resposta as minhas crônicas nascidas do cotidiano, uma a cada manhã.

Antes que o dia amanheça meu celular tilinta. Anunciando a chegada das tais mensagens longas, quase nunca as leio na íntegra.

São salmos, provérbios, vídeos religiosos, cânticos vários, chegados aos borbotões. Hoje mesmo, ao escrever este texto escuto um deles. Lindo por sinal. O que ouço agora diz: “o maior pintor do mundo está pintando a minha história, pintou minha vida com o sangue derramado, pintou o meu interior com sua glória, pintou meu interior com o branco da santidade, a cruz foi o pincel do autor, ele assinou a obra que sou eu, e na assinatura está escrito – Deus”.

O livro de Salmos, Provérbios, Apocalipse, Coríntios, Mateus, entre tantos outros desfilam em meus ouvidos, deixando minhas retinas perplexas em êxtase. Confesso-me um tanto assombrado em meio a tantos Whatsaps.

Na primeira vez que a enfermeira experiente pôs-me a par da sua intenção de encaminhar-me estas mensagens relutei em recebê-las, temendo por seu estado de sanidade mental. Estaria ela depressiva? Já que assisti a lágrimas copiosas escorrerem-lhe pelo canto dos olhos puros.

No entando acedi ao seu intento. E as tenho recebido de bom grado, embora a muitas ignore.

No mesmo dia da nossa prosa amena, depois do atendimento da manhã, foi quando da senhorinha ouvi um vaticínio que me pôs em alerta. Ela afirmou, olhos assustados: “coisas graves irão acontecer a todos nós, e ao nosso lar terra onde tantos humanos vivem, num futuro bem próximo”.

Deixei-a imersa em suas lágrimas de preocupação. A querida amiga enfermeira realmente acreditava num final dos tempos em muito breve.

Ao ganhar a rua, quase onze da manhã, uma manhã linda, sol irradiando simpatia, pessoas em seus ir e vir frenéticos, a passos largos pensei no dito da amiga enfermeira, entronizada em suas previsões apocalípticas.

Deveria mesmo crer no fim do mundo? Ler tantas e tantas mensagem pra mim encaminhadas pelo whatsAp? Ou simplesmente ignorá-las, pedir a ela que não as mandasse mais?

A última opção não foi a da minha escolha. Crer num final em breve para o final dos tempos, confesso que não sou partícipe desse vaticínio cru e nu.

Minha atitude, frente a todas estas mensagens que chegam aos borbotões no meu celular, singelamente é: separar o joio do trigo. Continuo lendo-as, embora não acredite.

A mensagem que encaminho, a arauta do final do mundo, é que tenha paz. Muita paz mesmo.

Finitos somos nós. O mundo planeta terra e outros mais irão, por certo, continuar a irradiar a luz do sol, o disco lunar refletido num lago de aguas plácidas em noites de lua cheia, o frenético grasnar das maritacas gritadeiras uma vez maduras as frutinhas da jabuticabeira, e tantas coisas lindas que nossos olhos conseguem ver. Basta saber enxergar…

Vaticinar o final do mundo? Nem pensar.

 

 

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