Com açúcar e com afeto

Nos idos tempos bons, que lá se vão, minha avozinha fazia doces de várias nacionalidades. Ou seriam doces de diversos sabores, cores, os de sabor de açúcar com canela, os famosos brigadeiros que não brigavam com ninguém, apenas rusguinhas tolas entre os primos que disputavam aquelas doçuras como a abelha acorre ao pote de mel, os quindins amarelinhos, que só de vê-los nos enchiam os olhos, os tais de nome carolina, que só passei a degustá-los depois, os feitos de coco ralado, nomeados de beijinhos doces, além de tantos e tantos outros, que seria impossível comentar sobre todos, ficam apenas lembrados aqueles que apreciava mais.

No entanto, tratando-se do marido da minha avozinha, por parte de mãe, já que o marido da minha avó, vó Maria, por parte de pai, não me era tão chegado, embora fosse um senhor compenetrado ao extremo, ferroviário aposentado, ministro da eucaristia, não saía da missa, o vô Rodartino Rodarte que passou, sem nada exigir em troca, o seu nome a um primo igualzinho ao pai do meu pai, outra pessoa boníssima, que, como meu outro avô não perde uma missa, o vô Rodartino passou a mim outro costume habitual. Ele não usava o carro, sempre a pé, andando como notícia ruim, com seu terninho azul marinho, suspensório marrom, trazendo no bolso de cima uma listinha amarelecida pelos anos dos seus devedores, dos quais não aporrinhava o saco, e só os cobrava quando de maior necessidade.

Tanto o vô Alberto, quanto o Rodartino, deixaram saudades, cada um ao seu modo e enormes qualidades, tanto morais, como donos de um caráter irretocável, longe do deixado ao seu neto, que tanto assina Rodarte quanto Abreu, de nome comprido: Paulo Expedito Rodarte de Abreu.

Sou o primeiro neto do vô Rodartino. Do Alberto perdi a conta de qual número sou. Talvez venha daí a minha maior ligação ao primeiro. Já que o pai do meu pai morreu bem antes do primeiro, que usava me visitar na Boa Esperança, cidade onde vim ao mundo, e ainda me lembro dele me pajeando na pracinha que não sei se ainda existe, vestindo um terninho azul marinho, que, segundo me contaram foi feito com um resto do tecido da mesma cor, quiçá tenha sido comprado na mesma loja e no mesmo dia, do terno meu avô. Talvez tenha sido esse elegante terninho, de calças curtas, me inspirado nas longas crônicas que hoje saem de dentro de um baú inesgotável de inspiração e saudades deles dois. E das minhas duas avozinhas queridas. Que hoje moram no mesmo céu azul que hoje se mostra lá em cima. Onde agora vivem em perfeita harmonia meus pais, que do alto olham por nós, meus dois irmãos, o Fred e a Rosinha.

Com açúcar e com afeto minhas avós fizeram meus doces prediletos. Não sei se era o brigadeiro, ou o beijinho doce, de tão gratas recordações.

Hoje, de neto primeiro do avô Rodartino passei a ter meu primeiro neto, filho da minha filha, poetisa inspirada, boa com os dedos no teclado do seu i-phone, que herdou do pai escritor o amor pelas letras.

Não tenho visto o querido Theo nos últimos dias. Sei que ele ali está, a um estalar de olhos, num predinho que mostra os fundilhos, branquinho como meu neto é, olhinhos claros, de cujo sorriso, Theo pouco chora, emana todo amor que sinto por ele.

Tomei por empréstimo, da poetisa Ângela de Paula Lima, essa linda poesia que a seguir transcrevo, sem pedir-lhe autorização, com certeza ela não vai se melindrar por isso.

“Avô é quem recebe sempre a gente, como se fosse eterna novidade

É quem no aniversário, de presente, nos dá um dinheirinho de verdade

Bolão vô! A gente sempre diz, com uma cara séria disfarçando

Que a gente se sente feliz, as aventuras já imaginando

Vô é quem chora, só pra constatar, que a gente cresceu, está mais moço

E esta verdade lhe causa alvoroço, avô é um ser feito de carinho

Que faz do seu colo nosso ninho, perdoa os beijos que deixei de dar”.

Obrigado minha querida Ângela, por me ter inspirado esta crônica de agora mesmo.

Nesse exato instante, olhando no relógio das horas, pena que elas não parem no tempo, são sete e meia desta terça-feira, dia vinte e um de março, ao olhar pra baixo, em direção a um beco sem saída, pertinho de onde minha vista descansa, tudo no entorno, em oura direção, me recorda o meu passado criança: a Rua Costa Pereira, o hospital Vaz Monteiro, onde ensaiei, dedos trêmulos, minhas primeiras incisões em carreira solo, operando próstatas e pedras nos rins, o clube LTC, onde frequento todas as tardes, de segunda a sexta- feira, a casa onde cresci, mas não nasci, sou de Boa Esperança, quando meu pai ali trabalhava no mesmo banco do qual hoje sou cliente fiel, aqui na minha pátria cidade amada salve-a das enchentes, naquele beco, naquele predinho branco, repousa, ou já acordou, meu primeiro neto, que não seja único, tomara tantos e tantos sorrisos de crianças sorriam pra mim.

Não tenho visto meu querido Theo. Sei que ele está muito bem. Comunga da companhia das duas avós, pouco menos dos dois avôs. Mas, se pudesse, e meu sentimento enorme de carinho permitisse, não apenas faria seu doce predileto, com açúcar e com imenso afeto, como faziam para mim as minhas queridas avós, tanto de um lado, quanto doutro.

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